Mais uma comissão para aliviar as consciências
Não nos iludamos: feridas como a da Caixa não se curam com discursos. Mas, com a alçada da lei para lá dos prazos da prescrição, pouco nos resta. Para lá da memória, da indignação e de uma comissão parlamentar de inquérito fora de prazo.
O PSD quer, o PS admite e não se prevê que nenhum dos partidos do arco parlamentar recuse uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão pútrida da Caixa Geral de Depósitos. Obtido tal consenso à custa da vergonha, resta a pergunta incómoda: para que serve agora mais uma CPI?
Para que o PSD e o PS expiem as culpas de um passado pouco recomendável em que repartiam os despojos do banco público. Para que muitos dos que serviram dos bens públicos para acumular privilégios privados possam ser devidamente conhecidos e escrutinados, agora que estão cobertos pela prescrição de eventuais crimes. Para que se saiba melhor quem foram os beneficiários desse fartar vilanagem à custa do dinheiro público. Mas, principalmente, para que todos os que têm de gerir o impacte público da revelação da auditoria da E&Y possam dormir de consciência tranquila.
Preparemo-nos, então. Vêm aí muitas palavras grandiloquentes, muitas intervenções inflamadas, muitas denúncias, muitas indignações sinceras ou nem tanto, mas quando todo o processo acabar, o sistema que se apropriou da Caixa terá ganho tempo para deixar tudo na mesma. Escrevia esta segunda-feira João Miguel Tavares que um dos maiores problemas do país é “a incapacidade de aprender com os erros cometidos”, o que sendo uma absoluta verdade merece o devido contexto: o país não aprende porque não há grande coisa a aprender.
Depois das palavras e das palavras e das palavras, os gestores que usaram a Caixa com negligência e dolo para satisfazer projectos políticos e pessoais nesses tempos nefastos da era Sócrates e os que se serviram dessa farra hão-de continuar por aí como se nada tivessem feito, como se nada devessem à justiça e ao bem-comum.
Sem que se ponha em causa o mérito da CPI e a boa vontade dos deputados e dos partidos que a propõem, a verdade é que acabará por repetir nomes concretos, dívidas precisas e manobras conhecidas sem que nada mais aconteça. A Caixa de hoje nada tem a ver com a desse passado obscuro, como o país de hoje se libertou da corte de políticos, banqueiros e ditos empresários que deram ao pobre capitalismo português um toque de nepotismo e cleptocracia.
Mas, não nos iludamos. Feridas como a da Caixa não se curam com discursos. Mas, com a alçada da lei para lá dos prazos da prescrição, pouco nos resta. Para lá da memória, da indignação e de uma CPI fora de prazo.