Malditas alergias

O aumento da temperatura do planeta pode significar um crescimento mais rápido das árvores e plantas e da produção de pólen, potenciando assim o número de pessoas afectadas por alergias sazonais. Isto é válido para a conjuntivite, rinite, asma ou sinusite.

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Emre Gencer/Unsplash

Há mais de uma década que tenho conjuntivite alérgica sazonal. Até há dois anos, o padrão foi sempre o mesmo: a alergia surgia em Junho, eu aplicava umas gotas recomendadas pelo oftalmologista e, três semanas depois, et voilá! Os meus olhos ficavam óptimos. No ano seguinte a história repetia-se. Porém, no ano passado tudo mudou. Em vez de Junho, a alergia ocular apareceu em Janeiro.

Os meus olhos estavam secos, vermelhos, irritados. A comichão, o ardor e a sensação de “areia” nos olhos eram insuportáveis. As minhas pestanas apresentavam uns filamentos muito discretos resultantes do aumento da secreção ocular. Passei na farmácia e comprei as gotas de sempre. O tratamento não resultou. Visitei o oftalmologista e com umas gotas corticosteróides o alívio foi imediato, mas não total. No final do tratamento, a recidiva e outra consulta de oftalmologia. Saí do consultório com novas gotas e nada. A acrescentar à conjuntivite alérgica sazonal instalou-se um incontrolável e incómodo prurido por toda a face, com especial incidência no nariz. O passo seguinte seria uma consulta de alergologia onde iria ter uma lição sobre o impacto das alterações climáticas na saúde pública.

As alergias oculares eram mais comuns no início da Primavera, altura em que as árvores florescem e dispersam o pólen no ar, mas nos últimos anos a doença tem surgido “fora de época”. Na década passada, as alergias oculares e nasais duplicaram. Apesar de as ilações ainda serem preliminares, alguns especialistas teorizam que este aumento desmesurado pode estar relacionado com as alterações climáticas. Há evidências de que as épocas de pólenes estão mais alargadas, a produção de pólen está a aumentar e a quantidade e severidade dos alergénios também. Se o clima e a normal mudança de estações do ano eram causadores de muitas alergias, não é difícil imaginar que as alterações climáticas venham piorar este cenário.

Quando expostas a temperaturas mais quentes e a níveis mais elevados de dióxido de carbono (CO2) — o principal gás que está a provocar o aquecimento global do planeta e que é também a fonte necessária para as plantas produzirem açúcares durante a fotossíntese —, as árvores e plantas crescem vigorosamente, produzem mais pólen e, consequentemente, maior quantidade de alergénios. Por outras palavras: o aumento da temperatura do planeta pode significar um crescimento mais rápido das árvores e plantas e da produção de pólen, potenciando assim o número de pessoas afectadas por alergias sazonais. Isto é válido para a conjuntivite, rinite, asma ou sinusite. Então, além de um tema ambiental, as alterações climáticas também são uma ameaça para a saúde pública.

Apliquei novas gotas e fiz rastreio aos alergénios provenientes do cipreste, oliveira, plátano, rabo-de-gato, parietária e zambujeiro. As análises foram negativas. Com a confusa dispersão de pólenes no ar, por vezes torna-se difícil identificar o alergénio causador da doença. A única solução foram os anti-histamínicos orais. Durante os dois meses da medicação, os olhos e nariz acalmaram, mas a alergia durou do ameno Inverno de Janeiro até ao tórrido Verão de Outubro. Nos dias de chuva — que, devido às alterações climáticas, são cada vez menos — surgia uma calmaria revigorante. Ainda assim, na maioria dos dias salvaram-me os lubrificantes oculares que servem de escudo a parte dos alergénios.

Estamos em Janeiro e a época da conjuntivite alérgica sazonal está novamente aberta. Resta-me confiar nos anti-histamínicos e abusar dos óculos escuros. Poderia também sonhar que tudo seria mais simples se pudesse usar óculos de mergulho no dia-a-dia para proteger os meus olhos dos alergénios. Ou sonho com isso, ou prefiro antes assumir o meu papel individual de combate às alterações climáticas. A escolha é fácil.

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