“Temo que a Europa siga o exemplo do Japão na próxima década”

Charles Prideaux, executivo da multinacional britânica de gestão de activos Schroders, antecipa uma década de crescimento mais lento no mundo, o que no caso da zona euro representa um risco de surgimento de novas crises.

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Para Prideaux, uma nova crise do euro "é certamente um risco que pode ressurgir" Nuno Ferreira Monteiro

O responsável da Schroders para a área de "Produtos e Soluções" traça para a próxima década um cenário de crescimento económico lento no mundo, oferta reduzida no mercado de trabalho da Europa e EUA e pressões populistas na política. A década perdida do Japão nos anos 1990 pode vir a ser o exemplo para outras zonas do globo.

Temos visto sinais de abrandamento em vários pontos do globo nos últimos meses. Isto será apenas uma travagem temporária ou o início de uma fase mais longa de crescimento lento?
Há realmente vários indicadores de abrandamento. Na Alemanha, principalmente no sector automóvel, com algumas pessoas a justificarem isso com a dificuldade em lidar com a redução da procura de veículos a gasóleo, e na China, de uma forma mais geral. Há um elemento cíclico no abrandamento que já era de esperar depois de diversos anos de crescimento forte. Mas também já vemos características estruturais que penso irão ter um papel importante no ritmo lento da economia na próxima década. Em particular, o facto de a oferta de mão-de-obra ter deixado de crescer da mesma maneira e a produtividade continuar a estar limitada, com a excepção parcialmente dos mercados emergentes.

A China pode ter um impacto significativo no resto do mundo?
A China tem sido um motor tão importante para a economia mundial nos últimos anos que acaba por ter um efeito em todo o lado, e em particular nos mercados emergentes. Este ano, para todo o mundo, estamos a projectar um crescimento mais lento e em 2020 pode ainda ser mais lento.

Os bancos centrais vão poder responder a este desafio?
O que é preocupante é que os bancos centrais estão com um espaço de manobra muito menor. É verdade que nos EUA a Fed já subiu as taxas nos últimos dois anos e isso dá-lhe a possibilidade de responder a uma nova crise. Fora dos EUA, a situação não é a mesma. Na Europa, a situação continua a ser muito frágil e o endividamento da Itália continua a ser um problema na zona euro. 

E o BCE pode ter perdido a oportunidade para subir taxas de juro, é isso?
Possivelmente. Agora há pouca margem de manobra.

Teme portanto uma década de crescimento mais lento, sem capacidade das autoridades para contrariar a situação...
Temo que o Japão das últimas décadas possa ser um exemplo daquilo que está para vir, particularmente para a Europa, onde as questões demográficas são muito evidentes. O crescimento do Japão é, há já muito tempo, positivo mas muito pequeno. E tem tido uma inflação muito baixa, por vezes desinflação, e uma força de trabalho cada vez mais envelhecida, com o rácio entre o número de trabalhadores e aposentados a deteriorar-se rapidamente. A Europa tem estas características.

Politicamente, para onde vê a Europa a caminhar?
As eleições para o Parlamento Europeu vão ser muito relevantes pelo sinal que vão dar para o debate político nos respectivos países, nomeadamente qual a sensibilidade que existe relativamente às tendências populistas. Em particular, será importante ver o que acontece na Alemanha, pela subida a que se assiste no Alternativa para a Alemanha, e na Itália com Salvini.

Que consequências é que uma chegada ao poder dessas forças ditas populistas podem ter para a economia?
O efeito não é sempre negativo. Por exemplo, nos Estados Unidos o estímulo orçamental de Trump forneceu uma "dose extra de açúcar" ao crescimento económico norte-americano. Na Europa, também se pode assistir a uma pressão para mais estímulo orçamental e a Itália é um exemplo claro disso, tendo conseguido chegar a acordo com as autoridades europeias para um maior orçamento. Mas, depois, pela negativa, há riscos importantes. O primeiro é o efeito a prazo da indisciplina orçamental. O segundo é o potencial para uma política de imigração mais restritiva. Temos o paradoxo de termos neste momento um mercado de trabalho cada vez mais apertado, algo que poderia ser combatido com mais imigração, mas isso não parece ser possível politicamente. 

Existe o risco de uma nova crise no euro?
Continuamos a ter o mesmo problema: uma união monetária sem verdadeira união orçamental. Essa tensão continua a existir e assim pode sempre trazer os mesmos riscos que vimos em 2011. Num ambiente de baixo crescimento, é certamente um risco que pode ressurgir.

O que é que um país como Portugal deve fazer para se preparar para esse tipo de cenários?
Todos os esforços que têm vindo a ser feitos para atrair investimento, turistas e aumentar as exportações fazem sentido. E depois, quanto mais se fizer para colocar a dívida num rumo sustentável, melhor. A natureza da zona euro significa que as fragilidades do sistema se mantêm.

Na última crise, os mercados olharam para os países periféricos como um grupo homogéneo. Se um país tinha problemas, todos eram penalizados nos mercados. Isto vai voltar a acontecer?
Acho que os mercados agora estão mais preparados para desagregar. Há mais distinção entre os países, por causa da forma como reagiram à última crise.

Mesmo no caso de uma crise grande em Itália?
A zona euro é uma união monetária, portanto não é possível dizer que não há impactos. Mas é verdade que os mercados estão bastante mais preocupados com a Itália do que com os outros países.

Vamos continuar a ter guerras comerciais?
Estamos a entrar já numa fase pré-eleições nos EUA e Donald Trump começa a ter um interesse em maior estabilidade a este nível. E a administração chinesa, da mesma forma, não vai querer, com o crescimento mais lento recente, ter algo que possa trazer ainda mais dificuldades. Portanto, no curto prazo, penso que haverá anúncios a tentar acalmar as águas. No longo prazo é diferente. É preciso reconhecer que a tensão entre os EUA e a China muito provavelmente não vai desaparecer tão cedo, seja quem for que esteja na presidência nos EUA. A China tem revelado de forma clara as suas ambições e os EUA desconfiam da natureza dessas ambições.

O que pode acontecer no "Brexit"? Teme os efeitos de uma saída sem acordo?
Um não acordo teria efeitos negativos de curto prazo para a economia britânica. E, em termos gerais, com ou sem acordo, o "Brexit" é o exemplo de um país, no actual cenário de maior proteccionismo, a sair do maior bloco de comércio livre do mundo. É um símbolo da nova tendência proteccionista. 

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