A prisão de Armando Vara: lições e reflexões
Vara representa a incapacidade de uma ética republicana afastar definitivamente de cargos públicos quem não se mostra à altura das suas funções.
Armando Vara deu entrada no estabelecimento prisional de Évora, um pequeno passo para o próprio e um grande passo para a aplicação da justiça em Portugal. Vara foi condenado a cinco anos de prisão efectiva por tráfico de influências, e, segundo o PÚBLICO apurou, ele é o único português preso pela prática de tal crime em todo o território nacional. Uma maneira de ver isto é dizer que Vara teve muito azar. Outra maneira é dizer que levou demasiados anos a ter muita sorte.
Eu diria que a segunda maneira reflecte com maior exactidão aquilo que se passou do que a primeira. A prisão de Vara foi apenas uma surpresa no sentido em que não se esperava que um ex-político com a sua importância fosse um dia parar atrás das grades por causa de um negócio de sucata. Mas qualquer leitor de jornais sabia, desde quase sempre, aquilo que Armando Vara era: o típico videirinho arrancado a uma pacata existência de bancário em Trás-os-Montes graças ao seu talento para escalar nas estruturas do Partido Socialista. Um talento que o levou desde o modesto balcão da agência da Caixa Geral de Depósitos de Vinhais até ao conselho de administração da luxuosa sede lisboeta da CGD, com uma licenciatura feita à pressa pelo caminho (Vara necessitava de ser licenciado para ser administrador da CGD e concluiu o curso – na Universidade Independente, pois claro – três dias antes de ser nomeado por José Sócrates).
Faltam em Portugal escritores que dediquem livros a personagens como Vara; argumentistas que escrevam séries de televisão sobre gente como Vara; músicos que componham canções dignas do seu género de percurso; criadores de todo o tipo capazes de inscrever políticos do calibre de Armando Vara na memória colectiva, já que eles representam um tipo de personagem muito típica da democracia portuguesa, enquanto destacados especialistas na vampirização do património público e dos recursos estatais a partir das estruturas partidárias. Mas Vara representa ainda uma outra coisa: a incapacidade de uma ética republicana afastar definitivamente de cargos públicos quem não se mostra à altura das suas funções.
Recorde-se que a primeira grande polémica em que Armando Vara esteve envolvido ocorreu há quase 20 anos, com a famosa Fundação para a Prevenção e Segurança (FPS). Nos saudosos tempos de Guterres, em que se abriam fundações a pontapé para esturrar dinheiro fora do perímetro do Estado e alargar os jobs for the boys, a FPS tinha a grande missão de pôr de pé cartazes de prevenção rodoviária. Para isso, abocanhou logo dois milhões, uma quinta (de Santo António, na Pontinha) e um forte (de São João da Cadaveira, no Estoril). Autores da façanha: o ministro Armando Vara e o secretário de Estado Luís Patrão, que de caminho encheram a FPS com assessores seus. Com as notícias da fundação a enxamearem os jornais, Vara e Patrão foram obrigados a sair do governo, com um empurrão de Jorge Sampaio. Sobre eles, disse o então Presidente da República: “Há comportamentos que são politicamente inaceitáveis num Estado de Direito.”
Mas são mesmo? Em 2005, Sócrates borrifou-se para o passado de Vara e ofereceu-lhe um lugar na administração da CGD. E o mesmo Sampaio que impôs a sua saída em 2000 condecorou-o, em Abril de 2005, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, pelos serviços prestados à pátria – condecoração essa que é agora retirada com a sua condenação. Portugal é um país giro. Armando Vara está preso. Falta apenas tudo o resto.