Saída do euro só com referendo, diz cabeça de lista do PCP às europeias
Para João Ferreira, que volta a ser o cabeça de lista da CDU ao Parlamento Europeu, o que é necessário é fazer prevalecer, sobre as imposições da UE, as políticas de que o país precisa - e implementá-las de facto. Mas não é obrigatório deixar a UE para isso. Comunistas acreditam na eleição de um quarto deputado.
Aos 40 anos, o biólogo que é eurodeputado desde 2009 e vereador sem pelouro atribuído na Câmara de Lisboa desde 2012, volta a liderar a lista comunista às europeias. Vai voltar a agitar as bandeiras da saída do euro, da renegociação da dívida e da rejeição do Tratado Orçamental, mas avisa que os constrangimentos orçamentais e financeiros do país vão muito além destes instrumentos europeus. A apresentação pública será só a 17 de Janeiro.
Está de regresso à corrida europeia: qual é o objectivo de votação da CDU, os quase 13% de 2014?
Tivemos um muito bom resultado há cinco anos, indiscutivelmente, que é fruto do reconhecimento do trabalho dos eleitos do PCP e da CDU no Parlamento Europeu (PE). Nestes cinco anos, as razões de reconhecimento desse trabalho são acrescidas e, nessa medida, creio que a expectativa é de podemos progredir no ponto de vista eleitoral e que isso tenha uma tradução em termos de representação da CDU.
Na campanha eleitoral vai pedir explicitamente um quarto mandato para o PCP?
Por aquilo que foi a intervenção dos eleitos do PCP nestes últimos anos, seria justo e até positivo para o país. Temos tempos pela frente que serão de alguma incerteza e instabilidade e precisamos, neste cenário, de uma voz firme e muito comprometida com a defesa dos interesses nacionais. O PCP tem sido essa voz e é justo e necessário alargar a sua expressão.
O seu objectivo é o quarto mandato?
Isso eu não disse. Há cinco anos também disse que era justo e necessário alargar a representação da CDU no PE. Isso foi possível, elegemos o terceiro.
É a expectativa com que parte para esta corrida?
É a vontade.
A CDU continuará a rejeitar o Tratado Orçamental (TO)?
A nossa posição sobre o TO é clara desde o início: de rejeição. Mas há outras questões. Nós chegámos à condição de um dos países mais endividados do mundo sem TO mas com o euro; duplicámos o nosso desemprego estrutural sem o TO mas com o euro; estivemos estagnados durante duas décadas sem TO mas com o euro; os salários estagnaram durante duas décadas e cresceram cinco vezes abaixo da produtividade do trabalho sem TO mas com o euro.
O euro é um problema maior do que o tratado?
Não quero menosprezar o impacto do tratado e ele deve ser rejeitado, mas temos de olhar para outros constrangimentos. Há muitas redundâncias na legislação da UE sobre a governação económica, o semestre europeu, o pacto de estabilidade revisto. Se Portugal saísse do tratado hoje – e pode fazê-lo: tal como decidiu entrar, pode decidir sair e há países da UE que não estão, como o Reino Unido e a República Checa -, isso por si só não garante a libertação do país de todos os constrangimentos e imposições que hoje impedem o seu desenvolvimento.
Rasgar o tratado, libertar-se dos outros constrangimentos, sair do euro. No limite, devíamos sair da UE?
Aquilo que temos que fazer é fazer prevalecer, sobre as imposições da UE, as políticas de que o país precisa e implementá-las de facto. Não é necessário sair da UE para que isto aconteça.
Tendo em conta o papel do PCP nestes anos, em 2019 deveria embarcar de novo numa solução governativa como a actual?
Estão hoje bem à vista as virtudes e as limitações desta solução. Foi possível demonstrar que o caminho que vinha a ser seguido de empobrecimento do país e do povo não era inevitável; demonstrámos que era possível travar medidas. E isto é a lição destes três anos. Porém, alguns problemas já tiveram resposta, mas outros não - e sem resposta agravam-se.
Ou deveria ter uma participação mais concreta no Governo?
Para implementar uma política alternativa, precisamos de um outro Governo que não este. Esse Governo não se vai construir – nunca o dissemos – só com o PCP ou só com os comunistas, mas há duas garantias: ele não se construirá sem o PCP nem sem um PCP mais forte do ponto de vista da sua influência social, política e eleitoral.
Insisto na forma de concretizar: com o PCP a assumir um papel formal no Governo?
O PCP sempre disse que estava preparado para assumir todas as responsabilidades e que não se considerava excluído do exercício de responsabilidades governativas, mas também sempre dissemos que isso não constitui um fim em si mesmo, mas sim um meio. E, antes de respondermos à pergunta ‘um Governo com quem?’, temos de responder à pergunta ‘um Governo para quê e por quem?’ Se é um Governo para defender os interesses que têm sido defendidos pelos sucessivos governos, ninguém imagina que possa contar com o PCP. Agora, se temos um Governo para romper com os bloqueios que têm sido impostos ao desenvolvimento do país, se queremos um Governo para pôr o país a criar mais emprego e riqueza e a distribuir de forma justa a riqueza que cria, melhorando salários, direitos e serviços públicos… Aí eu diria que esse Governo não existirá sem o PCP. Sendo que um pré-requisito para isso é o reforço eleitoral do PCP.
As últimas eleições castigaram a CDU, não teme que as europeias sejam contaminadas?
Não. Há condições para que a CDU tenha um progresso no resultado eleitoral. As europeias têm uma natureza distinta e creio que pesará muito neste ciclo eleitoral a avaliação do que foi o papel e a iniciativa de cada partido nestes últimos anos
Em termos de discussão política, quem gostava de ter do outro lado, no PSD?
Isso é uma decisão dos outros candidatos, mas a vida também nos mostrou que, independentemente de quem foram os protagonistas das forças políticas em cada momento, há uma linha de continuidade óbvia na intervenção dos vários partidos no PE.
Qual é a sua expectativa em relação ao candidato da Aliança?
Eu tenho muitas expectativas sobre o que vai ser a intervenção do PCP e da CDU nos próximos meses e é para aí que convergem as minhas preocupações. Desses partidos, mesmo dos que se apresentam como novos tendo velhos protagonistas, ouvimos as mesmas promessas e ilusões há 20 ou 30 anos e são uma linha de constante comprometimento da soberania nacional e de cedência face a imposições de outros países.
Vai continuar a ser o grilinho falante?
A metáfora do grilo falante desvaloriza esse papel. Mas sim, com três deputados fomos uma voz firme de defesa do interesse nacional, não apenas na denúncia do que seriam as consequências negativas de certas políticas para o país, mas também do ponto de vista da proposta.
Em Portugal, a acalmia dos primeiros anos deu agora lugar a mais contestação nas ruas. Nota-se que a CGTP está a perder a rua para movimentos e sindicatos independentes?
Tivemos, nestes anos, muitas lutas a decorrer tanto no sector público como privado, mesmo quando elas não tinham na comunicação social a projecção pública que hoje têm. Elas foram indissociáveis de algumas conquistas que tivemos nos últimos anos. Não podemos permanentemente ir empurrando com a barriga a resolução de justas aspirações, sobretudo quando o país tem já hoje condições e possibilidade para lhes responder. Isso é uma opção política e o Governo do PS conserva um vínculo com interesses poderosos na sociedade portuguesa, do grande capital, dos grandes grupos económicos que são contrários ao interesse da esmagadora maioria da população, sobretudo dos que vivem do seu trabalho.
Uma das contestações polémicas é a dos enfermeiros e até o PCP criticou o facto de a greve ser subsidiada com crowdfunding. Está a contestação a cair para formas menos tradicionais?
O PCP já o disse: não há formas de luta mais ou menos tradicionais. Há formas de luta que são adequadas ou que não são adequadas.
Esta não é adequada?
Nós não defendemos os interesses dos profissionais atacando o SNS. Defender o SNS implica defender os que trabalham no SNS. Há formas de luta que podem contribuir não para o fortalecimento do SNS, do seu prestígio e até do prestígio dos seus profissionais, mas para levar a água ao moinho dos interesses privados no sector da saúde. Essa é uma preocupação do PCP.
As migrações são um desafio premente. Está confortável com a posição portuguesa e com a alemã?
Portugal tem tido uma posição correcta de, mediante as possibilidades do país, acolher aqueles que procuram em solo europeu a possibilidade de ter uma vida em paz, fugindo da guerra, da fome e da miséria que são indissociáveis de acções de desestabilização que a própria UE, ao longo dos últimos anos, levou a cabo nos países de origem desses movimentos migratórios.
E a Alemanha tem ido até contra outros Estados-membros. Sente-se próximo da Alemanha pelo menos nesta política?
Não. As políticas de migração vigentes na UE - e o caso alemão confirma-o - são políticas selectivas e discriminatórias que tendem a olhar para a migração do ponto de vista dos interesses que dela possam ser retirados, da satisfação de necessidades de mão-de-obra internas e do interesse próprio - como o cartão azul que é uma marca das políticas migratórias da UE e que a Alemanha tem aplicado.
Com o "Brexit", os lugares vagos são divididos entre os futuros Estados-membros e uma reserva. Redistribuir essas 73 cadeiras seria dar mais poder aos Estados?
Sim, é um bom exemplo da intervenção distintiva do PCP face às demais forças portuguesas. Essa redistribuição permitia compensar Portugal pelas perdas de deputados na sequência de anteriores alargamentos e restituir os que perdeu. Não foi o caminho seguido, porque o Governo português também não teve, ao nível do Conselho, a iniciativa que se impunha, exigindo essa compensação, e os outros eurodeputados portugueses não apoiaram esta necessidade.
Com tanta indecisão, acredita que o Reino Unido voltará à UE?
Não creio que o possamos prever nesta altura. É importante respeitar as decisões que de forma soberana os povos entendam tomar. E se no Reino Unido, no processo eleitoral mais participado da história do país, entendeu de forma livre e soberana sair da UE, essa decisão deve ser respeitada. As negociações não demonstram esse respeito por parte da UE: há uma postura de permanente chantagem e de procurar castigar o Reino Unido pela decisão.
Com todos os constrangimentos que aponta à UE, faria sentido um referendo do género em Portugal?
O processo e a necessidade de ruptura com esta integração e com as políticas e orientações da UE traduz-se num processo, e não num acto súbito. Seria muito fácil que pudéssemos dizer 'hoje saímos da UE e amanhã teremos os nossos problemas resolvidos’. Não é assim. A ruptura que é necessária com as políticas e as orientações da UE traduzem-se num processo, que passa por fazer prevalecer os interesses nacionais.
Não é, de todo, a favor de um referendo sobre a saída ou manutenção da UE?
Essa questão não se coloca sequer neste momento, não vi nenhuma força política a defender essa necessidade.
O PCP não quer colocá-la em cima da mesa?
O PCP não a colocou e não irá colocar. Não é por aí que passam as prioridades. Passam, sim, pela necessidade de, defendendo uma política alternativa no país, enfrentar obstáculos que a UE hoje coloca ao nosso desenvolvimento.
E admite levar a referendo a saída do euro?
Essa é uma questão que está colocada com uma grande acuidade. Em 20 anos de permanência no euro, Portugal foi um dos países do mundo que menos cresceram; em lugar da prometida convergência, o que tivemos foi divergência; os salários praticamente estagnaram. Temos de ultrapassar essa situação recuperando a soberania monetária do país e, por arrastamento, soberania noutros domínios, como a orçamental.
Ainda tem escudos em casa?
Não. Mas a necessidade de Portugal se libertar do euro não significa um regresso ao passado, pelo contrário. Significa um salto para ao futuro que o euro nega a Portugal: a possibilidade de o país, resolvendo os problemas para os quais não tem encontrado resposta mesmo nestes últimos anos, poder desenvolver-se e romper com uma situação de subordinação económica e política inaceitável.