De Espanha, bons ventos sobre o salário mínimo
A convergência do salário mínimo com Espanha poderia ser — e provavelmente deveria ser — matéria de convergência política em Portugal.
Em Espanha, o governo de Pedro Sánchez anunciou a maior subida do salário mínimo desde 1977. De 735 para 900 euros, o salário mínimo espanhol aumentará em 22%. Passar de 25 para 30 euros ao dia poderá fazer uma diferença substancial para que se atinja o que deve ser o objetivo moral do salário mínimo: que um trabalhador ou trabalhadora que o aufere não esteja condenado a viver na pobreza.
Em França, Emmanuel Macron também se valeu do salário mínimo como jangada de salvação perante a vaga dos coletes amarelos. No caso francês, o salário mínimo nacional, mais conhecido por SMIC, terá um bónus de 100 euros, passando em alguns casos para praticamente 1600 euros, mas apenas entre os “smicards” que vivam nos lares mais pobres e sendo o pagamento feito diretamente pelos cofres do estado, ou seja, sem custos para as empresas.
Ao passo que em França se propõe um remendo, em Espanha opta-se por algo que se aproxima de uma mudança estrutural. E isso deve forçar-nos a olhar com atenção para o que se passa no país vizinho.
Nem todos os aumentos do salário mínimo são verdadeiros aumentos, é claro. Se descontarmos a inflação e compararmos com um cabaz de compras mais ou menos constante, rapidamente chegaremos à conclusão que as séries históricas do salário mínimo em Portugal — desde os anos 70 até hoje — não mudaram assim tanto: uma família com um salário mínimo vive na pobreza; uma família com dois salários mínimos pode continuar a viver mal, sobretudo nas grandes cidades, onde as rendas são mais caras.
Os anos da "geringonça" foram anos de recuperação do salário mínimo, e é bom lembrar que o foram contra ventos e marés, dentro e fora do país. Os resquícios do governo de Passos e Portas foram sempre avisando que o “diabo” viria com o aumento do salário mínimo. A Comissão Europeia pronunciou-se também contra o aumento do salário mínimo, avisando que ele poderia travar a descida do desemprego. A maioria de esquerda persistiu e a aposta resultou. O salário mínimo tem aumentado em todos os anos desta legislatura. No início deste ano passou de 496 para 516 euros líquidos, descontando a TSU do trabalhador em salários de 557 e 580 brutos, respectivamente. Mesmo assim, foi menos de um euro por dia de aumento, bem longe dos cinco euros por dia a mais que ganharão os espanhóis no salário mínimo aqui do lado. A proposta do governo é a de atingir agora os 600 euros, o que dará uma subida de 18% nos quatro anos desta legislatura (mais uma vez, longe dos 22% que terão os espanhóis logo no primeiro ano da sua nova maioria de esquerda). E a subida do salário mínimo não desajudou: o desemprego continuou a descer e a economia a crescer, embora moderadamente e com previsões em ligeira baixa por causa do contexto internacional ("Brexit", “guerras” comerciais, etc.).
É bom, mas acontece que este aumento de salário mínimo em Espanha nos deve forçar a olhar para o salário mínimo português com outra audácia.
O salário mínimo português tem acompanhado o espanhol, sendo em geral, com algumas variações, vinte e poucos pontos percentuais mais baixo do que o dos nossos vizinhos. Com este aumento de salário mínimo em Espanha, corremos o risco de que essa diferença se alargue quando se deveria estreitar. É certo que a Espanha tem bastante mais desemprego do que Portugal (é mais do dobro: 15% lá, um pouco menos do que 7% aqui), mas o aumento do salário mínimo em Espanha não pode ser ignorado quando se fala do salário mínimo em Portugal.
Em primeiro lugar, pelas razões implícitas no que disse acima: aumentar decididamente o salário mínimo em termos reais significa desde logo tirar famílias da pobreza, ou pelo menos mitigar fortemente as situações de privação em que vivem. E, em segundo lugar, porque o aumento do salário mínimo é um elemento essencial da nossa convergência com o resto da Europa ou, pelo menos, com o grande país da Península Ibérica aqui ao lado.
Acompanhar o crescimento do salário mínimo em Espanha é, em si mesmo, o mínimo. Deveria estar em cima da mesa o debate sobre a convergência entre o salário mínimo português e o espanhol. Se for de forma faseada e com avaliação a cada passo, por que não estamos a discutir como atingir com o salário mínimo português 90% do salário mínimo espanhol, ou pelo menos 800 euros na próxima legislatura, tendo uma meta de paridade a médio prazo assumida como objetivo político a ser discutido no parlamento e na concertação social? Aí está uma tarefa importante para a esquerda discutir já pensando na próxima legislatura. A convergência do salário mínimo com Espanha poderia ser — e provavelmente deveria ser — matéria de convergência política em Portugal.