“Gosto do Reino Unido, mas a minha terra é aqui, no Porto ou no Douro”

Depois de 40 anos de trabalho no universo das empresas da família Symington, dos quais 16 na condição de presidente do conselho de administração, Paul vai retirar-se. Com ele, os vinhos do Porto da Dow’s, da Graham’s ou da Warre chegaram à curta elite dos vinhos mundiais. Conversa com um dos britânicos mais durienses desde o tempo do barão de Forrester.

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Paul Symington, 65 anos, fala ainda com sotaque inglês, mas a origem britânica é cada vez mais uma memória remota. Como na maioria das famílias que se instalaram no Porto para se dedicar a negócio do vinho, Paul tornou-se portuense e, talvez ainda mais, duriense. Filho da primeira geração da família “que não teve de se fardar” para participar nas grandes guerras do império britânico, Paul chegou ao Porto depois de estudar em Inglaterra em 1979, numa altura em que o vinho do Porto consolidava a recuperação da penosa travessia comercial da Segunda Guerra Mundial. Hoje, o grande vinho do vale do Douro confronta-se com outros desafios e Paul insurge-se contra o alheamento das autoridades. Crente no futuro da região, diz que é ali que a família continuará a investir até porque, acredita, um dia os vinhos tintos ou brancos do Douro terão o lugar que merecem no reconhecimento internacional. Agora que sai de funções executivas, Paul vai gastar mais tempo a andar de mota pelas vinhas, a passear com o cão e a aprender a conduzir um tractor.

Como está a ver a questão do “Brexit”?
É uma confusão. Ninguém sabe o que vai acontecer com o “Brexit”. A minha mãe ainda está viva, nasceu em Sintra. Os pais dela eram de Lisboa. Eram dez irmãos. Dois morreram na guerra. Um com 19 anos e outro com 18. Sabe onde é que eles estão? Um está num cemitério na Tunísia e outro está em Nápoles. Estiveram três irmãos na tropa [na Segunda Guerra Mundial] e dois morreram. A minha mãe ainda está viva. Esta é uma realidade que eu senti na minha família. Na Europa temos uma história de matarmo-nos uns aos outros. Tivemos agora meio século de paz. Eu fui a primeira geração da minha família que não teve de se fardar para ir à tropa. O meu avô esteve na Primeira Guerra, na Segunda estiveram os meus pais e os meus tios.

Para mim, a União ou alguma União da Europa faz sentido. Obviamente são países completamente distintos, cada um tem as suas tradições, o seu governo, etc. Mas faz sentido, para alguém que lê sobre a História, partilhar alguma coisa. Acho o “Brexit” uma coisa triste nesse sentido. Ninguém sabe no que isto vai dar. De positivo acho que vai ser pouco. Para mim é uma fantasia esta ideia de independência total do Reino Unido. Eu sei que Bruxelas por vezes faz asneiras, que não se preocupa muito com as pessoas. Há muitas coisas com que não estou de acordo. Mas em tudo há um lado positivo e um lado negativo, e, para mim, a União Europeia tem mais coisas positivas do que negativas

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Paul Symington

Nesta questão, sente-me mais britânico ou português?
Estou à espera do meu passaporte português…

Essa era precisamente uma das perguntas que tínhamos para lhe fazer. Por que razão, tendo nascido em Portugal, não tem passaporte português?
Sabe porquê? Eu sou mais velho e no meu tempo quem fizesse 18 anos ia quatro anos para a tropa. Havia a guerra em África e eu não queria ir…

Mas, entretanto, deu-se o 25 de Abril e desde então já passou muito tempo…
É verdade, é verdade. Tenho alguma vergonha por não ter pedido antes o passaporte português. Mas já fiz o pedido há um ano e meio. Li há dias no PÚBLICO que alteraram a lei e que há mais de 40 mil pedidos.

Tirando esse lado mais pragmático, de tentar fugir à guerra, não continua a haver na vossa comunidade essa tentação de pensar primeiro no Reino Unido e só depois em Portugal?
Nunca me passou pela cabeça viver em Inglaterra. Eu admiro algumas coisas na História do Reino Unido, gosto do Reino Unido, mas a minha terra é aqui. Não me passa pela cabeça viver noutro lado. Aqui no Porto ou no Douro.

Mas viveu em Inglaterra?
Estudei lá. Andei na escola [básica e secundária] e depois na universidade. Após a universidade trabalhei um ano e meio numa empresa e regressei. Quando eu recebi aquele prémio da Decanter [uma publicação internacional dedicada ao vinho], o prémio The Man of the Year, convenci o meu pai, que já tinha bastante idade, a ir comigo a Inglaterra. Já não ia lá há muito tempo. Teve de ir quase numa cadeira de rodas. Na ida, ainda no aeroporto, virou-se para mim e disse-me. “Ó Paul, se eu morrer em Inglaterra, não me deixes lá.” Morreu mais tarde e está no cemitério no Porto. Eu não gosto de ser colocado numa gaveta. Sou claramente uma mistura.

Um europeu, ao fim e ao cabo…
Português-inglês.

Voltando ao “Brexit”. A possível saída do reino Unido da UE já está a afectar as vossas vendas?
Um quarto das nossas vendas é para o Reino Unido. É muita coisa. Estamos a preparar-nos e a colocar um stock maior lá, porque não sabemos o que vai acontecer nas alfândegas. Mas vai ser uma chatice, porque vamos ter de alterar os rótulos todos, porque vão ter de ter o nome do importador… Os burocratas que fazem estas regulamentações esquecem-se de que essas mudanças custam uma fortuna aos produtores.

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Mas as vendas estão a diminuir?
O Reino Unido está a passar por um período difícil e as vendas dos vinhos têm baixado alguma coisa. As grandes cadeias estão a sofrer com a entrada das grandes cadeias low cost, o Aldi e o Lidl, e o mercado do vinho em geral está a ser afectado. Não são só os vinhos portugueses. Oxalá que isto se resolva nos próximos meses. É preocupante e está a afectar-nos, mas a nossa empresa já sobreviveu a momentos difíceis da história. A vantagem de sermos uma empresa familiar é permitir-nos olhar a longo prazo.

O que é que mudou, mais radicalmente, desde o dia em que entrou na empresa até hoje?
Muita coisa mudou nestes 40 anos. Nos anos 70, no Douro e no vinho do Porto, o que se vendia era vinho de volume. Estava tudo virado para a quantidade. E apostar na quantidade é a pior coisa que se pode fazer para os vinhos do Douro. Hoje estamos a produzir menos e melhor. Não somos só nós. Os grandes produtores de França, que todos nós colocamos no top, estão a produzir menos do que há 20 anos. No segmento dos vinhos super-premium, que é muito apertado, assiste-se a esta tendência. O mercado é muito exigente.

O vinho do Porto nessa altura, nos anos 70, tinha uma imagem de prestígio mais alta do que tem hoje, ou não?
O vinho do Porto tem hoje uma imagem reforçada ao nível dos vinhos de topo, mas nos anos 70 já tinha dois séculos de história. O vinho do Porto já estava nos livros dos grandes wine writers. A grande luta hoje é conseguir que o vinho do Porto mantenha esse estatuto. Eu acho que o sector tem feito um bom trabalho. Nessa altura, havia os ruby em grande escala, os tawny correntes e os vintage. Hoje, com os tawny reserva, os colheita, os LBV, o mercado premium está mais diversificado.

Qual é a grande ameaça actual para o vinho do Porto? É o açúcar? É o álcool?
O grande desafio do vinho do Porto é manter-se relevante num mercado cada vez menos interessado nos vinhos generosos. Eu fiz há pouco tempo uma grande prova de vinho do Porto com o meu primo Charles em Londres. Estava lá toda a gente de peso. Antes da prova, fiz alguma pesquisa sobre o que está a acontecer com os vinhos de Xerês, em Espanha. Toda a gente sabe que os volumes caíram de 14 milhões de caixas (de 12 garrafas) para 4 milhões, mas o que eu não sabia era que a área de vinha passou de mais de 20 mil hectares, no início dos anos 80, para menos seis mil hectares. Vejam o que acontece quando uma região não se adapta à realidade. Nós podemos estar horas a discutir se trabalhamos mal ou bem, mas o melhor é olharmos para a realidade.

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"Há vinhos do Douro nos supermercados demasiado baratos"

Quer dizer que a preservação da área de vinha no Douro é a prova do sucesso do vinho do Porto…
Em parte, mas o Douro não tem uma estratégia adequada à realidade actual. Nos próximos anos vão acontecer bastantes mudanças em várias frentes. Os vinhos generosos estão a reduzir a nível mundial e estão a reduzir há 20 anos. Não é uma coisa pontual, não se deve à troika ou ao “Brexit”. E o Douro tem de se adaptar a esta realidade. Mas temos muita coisa a nosso favor. O vinho do Porto é um exemplo mundial de inovação, de adaptação e de resistência. O que o Dirk [Niepoort] conseguiu, com a venda de uma garrafa de 1863 por mais de 100 mil euros, foi muito bom para o vinho do Porto. E toda a inovação que fizemos com o LBV, os vinhos datados, os Colheitas é usado em Xerês como um exemplo daquilo que eles deviam ter feito. Podem dizer-nos que temos de fazer mais provas, mais promoção. Nós já fazemos isso. Temos um director há semanas a fazer provas na China, a ensinar como se decanta e se prova um vintage. Mas a pressão é enorme sobre os generosos. Esta é a primeira ameaça. A segunda tem que ver com a estrutura minifundiária do Douro, a falta de mão-de-obra e a média de idades dos lavradores. Não há nenhuma zona vinícola no mundo com uma estrutura igual à do Douro. E isso está a mudar. Eu passo parte da minha vida no Douro. Eu conheço aquela gente de Provesende, Celeirós, Donelo, todas aquelas aldeias à minha volta, conheço muitos lavradores e eles têm a minha idade ou mais, os filhos já não estão lá. Quem é que vai tomar conta daquilo? Não há milagres. Nos próximos anos, não vai haver gente para fazer os trabalhos no Douro.

Vai aumentar o latifúndio?
Nós, a Taylor's, a Sogrape, a Sogevinus e a Gran Cruz temos 80% do negócio do vinho do Porto. Somos concorrentes ferozes. É o salve-se quem puder. Mas nem nós, que temos 26 quintas, um pouco mais de mil hectares, vamos conseguir algum dia ser auto-suficientes. É impossível. As 26 quintas só nos garantem 16% das nossas necessidades. Nem o Bill Gates conseguiria ser auto-suficiente no Douro. Nós dependemos de centenas de lavradores. Mas nos próximos dez anos vai mudar muita coisa no Douro. É tão certo como o sol nascer num lado e pôr-se noutro.

Dez anos?
Viu a falta de mão-de-obra que houve na vindima deste ano? Foi uma coisa terrível. Nós, pela primeira vez, trouxemos trabalhadores da Roménia. Passaram um dia em Alijó, a legalizarem-se, para não termos problemas. Fizemos uma área enorme de dormitórios na Quinta do Bonfim [junto ao Pinhão], uma coisa quase de luxo, e foram esses romenos os primeiros a dormir lá. Não são bem dormitórios. Se for um casal, dorme num quarto próprio. São condições excelentes e tivemos o cuidado de garantir que o empreiteiro que os trouxe lhes paga o valor justo. Não é agradável ter de ir buscar trabalhadores fora do país, mas não há volta a dar. Nós já usamos uma máquina de vindimar em patamares há três anos. Custou meio milhão de euros. Conseguimos algum apoio. A máquina só funciona no bardo exterior. O talude não permite colher no bardo interior. Mas isto é o futuro.

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Deu bons resultados?
Fermentámos lotes de uvas colhidas à mão e outros com uvas vindimadas com a máquina e os resultados são excelentes.

Os Symington conseguem ter uma máquina dessas, mas a maioria dos produtores do Douro não consegue…
Mas não é preciso comprar. É possível alugar estas máquinas. Nós comprámos esta, mas vamos alugar outras. Um lavrador com 20 hectares ou mais vai ter de ir por este caminho, porque não há gente.

Nos seus primeiros tempos na empresa, algum dia ouviu alguém da família falar no aparecimento da Denominação de Origem Controlada (DOC) do Douro?
Não. Eles [os Symington] compravam vinho no Dão em barricas. Depois engarrafavam e consumiam em casa durante o ano. Eram do Douro e nem sequer faziam vinho no Douro. Lembro-me bem. E esse vinho do Dão era bem bom. Eles estavam completamente focados no vinho do Porto.

Nem lhes passava pela cabeça que o DOC Douro pudesse ser uma possibilidade…
Não. O surgimento dos DOC Douro [no final dos anos 80] e a qualidade elevada dos vinhos foi uma das evoluções que mais me agradaram. Quando vejo um Sassicaia, um Tignanello, um Vega Sicília, eu sei que temos no Douro vinhos, no mínimo, com a mesma qualidade. Não estou a falar como vendedor, nem isto é uma fantasia. É uma evidência. Nós [através da distribuidora Portfolio] importamos grandes vinhos da Austrália, do Rhône, da Califórnia que custam centenas de euros. Eu tenho a possibilidade de provar estes vinhos, de falar com os produtores e, quando olho para o que estamos a fazer no Douro, eu sei que mais cedo ou mais tarde também vamos estar naquele nível de preço.

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Ou seja, só falta o reconhecimento…
Sim, há um salto que é preciso dar e que ainda nenhum vinho do Douro deu: entrar no chamado “mercado secundário”. É como apanhar peixe no rio com as mãos, de tão difícil. É quando um vinho começa a entrar nos leilões, como acontece com os vinhos da Borgonha e de Bordéus ou com os supertoscanos. O vinho do Porto sempre esteve nesse mercado secundário, mas os DOC Douro ainda não chegaram lá.

Quando é que acha que isso vai acontecer?
Não sei. É preciso convencer aquele grupo de gente muito rica que compra esses vinhos. É preciso haver muitas coisas alinhadas para esse salto acontecer, mas temos de o dar.

Já se arrependeu de ir para o Alentejo [Os Symington compraram uma propriedade de 207 hectares situada no Parque Natural da serra de São Mamede]?
Não, mal seria.

O que os levou a apostar no Alentejo?
Uma empresa familiar como a nossa tem de ter novos projectos. Já nos foram oferecidos, em tempos, projectos na Califórnia, no Chile, em Espanha e nós recusámos. Nós queremos estar em Portugal. Estamos no Douro, agora no Alentejo, num lugar a 450 metros de altitude, que tem algumas semelhanças com o Douro, e vai levar uns anos até dar dinheiro. Não é uma aposta de retorno rápido, nem nada que se pareça.

Um projecto muito importante para mim foi a Prats&Symington, do vinho Chryseia. É uma empresa com 50% do capital da família Prats [de Bordéus] e 50% nosso. Começámos em 1999, há quase 20 anos. Nos primeiros dez anos, o projecto não deu nenhum lucro. Depois comprámos a Quinta de Roriz e pedimos quase todo o dinheiro emprestado. Custou uma fortuna. Agora está a dar alguma rentabilidade, mas não é muito grande. Fazer um vinho com a qualidade do Chryseia não é fácil. A rejeição de uvas é muito grande. Depois há as barricas. O custo é enorme. Não é fácil ganhar dinheiro. Sabe onde está o lucro? Quando se vende o projecto a um milionário. É por isso que é muito importante criar valor em torno de uma vinha, de grandes vinhos, construir uma marca.

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Ganha-se muito dinheiro no negócio do vinho em Portugal. Se não ganhassem, não estavam no negócio.
O Porto vintage 2016 é financeiramente importante para nós, é verdade. Obviamente que dá dinheiro, mas são seis meses a promover o vinho em todo o mundo. É um trabalho medonho. E temos apenas três vintage em cada década. Temos consultores que nos dizem: “Olhando para a vossa empresa, para as quintas, para os terrenos em Gaia, para os armazéns e tudo o mais, para o seu valor, e vendo os resultados anuais nos últimos dez anos, vocês deviam vender e investir o dinheiro noutro negócio que ganhavam mais.” É verdade que temos uma empresa saudável e com bastante património. Mas, se virmos bem, são poucas as empresas a nível mundial que atingem muito bons resultados com a venda de vinho.

É por ser tão difícil que vendem o Chryseia tão cedo?
Nós podíamos só lançar o vinho ao fim de quatro ou cinco anos, mas seria uma alteração estratégica muito grande. Não íamos ter vinho para vender. Estar quatro anos sem vinho no mercado é perigoso. Os vendedores esquecem. Obviamente que há um meio do caminho. Eu sei que em Inglaterra, por exemplo, há uma grande resistência. Os grandes restaurantes e as grandes garrafeiras não querem o vinho tão novo. É uma questão pertinente, sem dúvida. Mas a grande tradição de Bordéus, da Borgonha e do Porto vintage é vender en primeur [vinhos vendidos imediatamente a seguir à colheita]​.

Vão investir nos vinhos verdes?
Talvez. Não temos nada, nenhum projecto. Mas se formos um dia para o vinho verde seria do mesmo estilo da quinta que comprámos no Alentejo. Qualidade, high end. São projectos que demoram muitos anos a afirmar-se. O vinho verde, pela qualidade com que se está a fazer hoje em dia, tem interesse e fica aqui perto, mas o Douro vai claramente continuar nos próximos anos a ser o grande foco. 

Não querem ser uma segunda Sogrape?
Não. Veja por nós. Por mim, pelo Charles, pelo Johnny, pelo Rupert ou pelo Dominic. Todos temos vinha no Douro. Eu este ano tive um prejuízo enorme. O rendimento foi 40% abaixo da média. Já disse ao Charles [o primo responsável pela enologia da empresa]: ou pagas melhor ou vou vender ao Dirk [Niepoort]. [risos]

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Pisa de uvas na adega da Quinta do Bomfim, da família Symington Paulo Ricca/Arquivo

Ganham mais dinheiro no vinho do Porto ou no DOC Douro?
Muito mais no vinho do Porto.

Não estamos a falar em volume. Em termos de margem de lucro?
No vinho do Porto, mas não nos vinhos correntes, em que a margem é horrível. Mas nos grandes vinhos do Porto, mal de nós se as margens não fossem melhores.

Por que é que apostam então cada vez mais nos vinhos do Douro?
Os vinhos do Douro representam 8% do nosso negócio, à volta disso. Nós achamos que todo o negócio do DOC Douro tem pés de barro. Estamos a apostar, temos um projecto para fazer uma adega na Quinta de Ataíde, no Vale da Vilariça, vamos continuar a investir fortemente nessa área, mas é uma área muito difícil. Para mim, é tão óbvio o perigo que estamos a correr em permitir vinhos tão baratos… o Douro merece outro estatuto e nós estamos a minar o futuro do Douro. Fico profundamente triste ao ver a visão curta de muita gente. É o “deixa andar”, porque mais cedo ou mais tarde os preços vão subir gradualmente, não há problema. Moralmente, não podia ser mais injusto para a lavoura. É escandaloso o que se está passar. Se pagarmos uma consultoria a uma empresa como a McKinsey para estudar o que é o Douro, eles vão dizer: “Vocês são malucos. Vocês têm este custo de produção, têm esta qualidade, mas estão a colocar nas prateleiras vinhos ao mesmo preço dos low-cost, do Chile, da África do Sul ou do Sul de Espanha.” Os coleccionadores têm na mente o valor dos vinhos do mundo: há Bordéus, há Borgonha, há isto e aquilo e onde está o Douro na mente do dono de uma garrafeira? Não está em termos de qualidade e de preço entre os bons.

Em Portugal a situação é diferente.
No seu mundo e no meu. Fale com uma pessoa que trabalha numa fábrica em Guimarães que queira um Alentejo ou um Douro para o fim-de-semana. Pode escolher porque o preço é igual.

Porque há excesso de produção?
Mas isso é muito mau. Para o consumidor em Guimarães ou em Braga ou Portimão, é indiferente ser Alentejo ou Douro porque o preço é igual. Isso é péssimo.

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Mas, no estrangeiro, quando se quer comprar um vinho caro compra-se francês e em Portugal quando se compra vinho caro normalmente compra-se Douro.
Estou de acordo. Há uma montanha que temos de subir e uma batalha que temos de ganhar. E vamos lá. Mas estamos a piorar o nosso argumento porque há vinhos do Douro nos supermercados demasiado baratos.

Como se resolve isso?
Mais cedo ou mais tarde, vai ficar resolvido. A economia funciona. Quando o lavrador não tem rendimento, abandona. Vai acontecer. Agora vai ser lento porque o benefício [sistema de distribuição dos direitos de produção de vinho do Porto, que estabelece quantidades e preços de produção] vai mantendo a situação.

Portanto, o benefício é uma máscara de oxigénio que permite que o vinho do Porto seja vendido barato?
Totalmente. No Alentejo fale-se com o João Portugal Ramos ou com a equipa do Esporão para se perceber. Há muitos lavradores que vendem as uvas à Cooperativa de Borba ou ao Esporão. O preço sobe e baixa consoante a natureza do ano. Há claramente um ciclo que acontece e quando há vinhos a mais há abandono. A Cooperativa ou o Esporão baixam os preços e as pessoas abandonam. No Douro, isso não acontece porque há o benefício. Mas a longo prazo vai acontecer. O beneficio, vistos os volumes de vinho do Porto, vai continuar a baixar.

Depois de dizer isto tudo estou profundamente optimista sobre o futuro do Douro. Aquelas terras são únicas. Este ano estive na Austrália, no ano passado estive na Califórnia e em Fevereiro vou para a África do Sul. Eu vejo o que eles têm e comparo: o que temos no Douro é um tesouro fabuloso que está a ser muito maltratado. Há uma conjugação infeliz de gente em Lisboa que não percebe, que sabe dos vintage de 100 pontos, dos Barca Velha e vêem que 60% das exportações em valor dos vinhos portugueses vêm do Douro. Eles olham para isto e acham que fazemos coisas maravilhosas, que é tudo muito bom, que o negócio corre bem e que nós estamos sempre a reclamar; depois aquilo é complicado e não dá para se perceber bem. Há uma falta de conhecimento profundo em Lisboa e depois há interesses instalados que tendem a fazer com que uvas excelentes se vendam a 30 cêntimos o quilo.

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"Sempre que abro um vintage penso no que estava a acontecer nessa altura"

Que interesses instalados são esses?
Eu não faço nenhuma crítica. Se um dia fizesse uma adega pequena na minha Quinta das Netas, na estrada Sabrosa-Pinhão, punha um pequeno reclame a dizer que comprava uvas Touriga Nacional a 40 cêntimos o quilo e teria muita gente a bater à porta para me vender essas uvas. Eu não critico ninguém por comprar uvas a preços de mercado, só um maluco é que paga o dobro. Mas o mal é mesmo o preço de mercado. O que temos de fazer é adaptar o sistema para ter um tipo de benefício para o Douro DOC.

Quotas para o Douro DOC?
Sim. Ou abolir o benefício para o vinho do Porto, o que não se pode fazer porque seria a ruína do Douro. 

Quando regressou de Inglaterra, era mais fácil administrar um grupo de empresas do vinho do Porto do que agora?
Era muito mais simples. Mandava-se uma carta para o importador da Holanda a dizer que o aumento de preços para o ano ia ser de 5%. A carta ia e esperávamos um mês pela resposta. Agora o raio do holandês [risos] está ao telefone dois segundos depois a dizer que os preços são inaceitáveis.

Tem saudades?
Era muito mais calmo. Havia uma forte concorrência, estavam cá as multinacionais e nós tínhamos muito medo delas por causa do seu poder financeiro brutal e da sua rede de distribuição — a Seagram tinha até uma cadeia de lojas no Reino Unido. Mas, olhando para trás, estou satisfeito. A empresa tem outro estatuto em termos de imagem. Não tínhamos muita vinha, só tínhamos a Quinta do Bonfim; a geração do meu pai foi obrigada a vender a Quinta do Zimbro e a Senhora da Ribeira porque simplesmente não havia dinheiro. Quando comprámos a Graham’s, os meus pais e os meus tios tiveram de vender os Malvedos [a quinta emblemática desta empresa, junto a Foz Tua]. Poucos anos mais tarde, conseguimos comprar a quinta, mas imagine o que é comprar uma marca como a Graham’s e não ficar com a quinta… Não havia dinheiro. Aqui atrás [a entrevista decorreu nas Caves 1896 da Graham’s, em Vila Nova de Gaia], estes terrenos deste lado eram todos da Graham’s e tinham sido vendidos pelos antigos donos da Graham’s para pagar ao pessoal. Os meus pais tiveram de pedir muito dinheiro emprestado ao Banco Português do Atlântico para comprar a Graham’s em 1970. E estavam assustados. Não sabiam como iam pagar os empréstimos.

Quando chega, em 1979, já tinham comprado os Malvedos?
Não, comprámos pouco depois. Eu dizia: isto é impossível. Havia dois bichos a roer a empresa. Um era a falta de vinha. Outro era a imagem da empresa. Os meus tios e o meu pai eram de uma geração nascida muito antes da guerra e dedicaram-se mais de 100% a isto, mas não tinham aquela aprendizagem necessária em termos de marketing dos vinhos. Viajavam muito. Eu lembro-me do meu pai constantemente a partir. Ia com a minha mãe ao aeroporto e ele seguia durante semanas para a Dinamarca, a Holanda. Estava constantemente em viagem. Na vindima, estava no Douro, depois era viagem constante. Mas a minha geração conseguiu duas coisas: criar um património importante de vinha no Douro e criar a imagem em volta dos nossos vinhos nos mercados internacionais. Isso foi muito importante.

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Os Symington na casa de Pinheiro Manso, Porto, em 1961. Paul está no canto superior esquerdo DR

O Paul ainda assistiu ao nascimento do fabuloso Dow’s vintage de 1980?
Sim, em 1979 já cá estava e assisti ao Dow’s 80. Mas mesmo nessa época havia coisas interessantes a assinalar. Não houve lucro nenhum para nenhuma empresa desde o início dos anos 30 até aos 1963. Foram 30 anos de zero lucros. O Douro sofreu, fala-se ainda hoje dos anos de fome, durante a guerra não houve exportações nem havia consumo nacional. O meu pai ia de eléctrico para Gaia. Não tínhamos carro. As únicas férias que tivemos quando era miúdo foi em Sanxenxo, na Galiza. Havia um pequeno hotel que já não existe, de duas estrelas. Isto é só para contar a realidade do vinho do Porto daqueles anos. Não havia dinheiro, foi aí que vendemos as duas quintas. Só com o vintage de 1963 é que surgiu a luz ao fundo do túnel. Aí o meu pai disse que tinha tomado “a decisão certa de regressar depois da guerra [II Guerra Mundial]” para trabalhar com o pai dele, o meu avô. Eu nasci numa casa alugada no Pinheiro Manso [no Porto] e em 1967 é que o meu pai comprou a casa, na Maia. Foi a primeira casa dele.

Havia a ideia no Douro e no Porto de que os ingleses eram todos muito ricos.
Não havia margens no negócio. Só depois, nos anos 60 é que começou a recuperação. A Cockburn's lançou em 1969 o Special Reserve, a Taylor’s lançou o LBV poucos anos mais tarde e a procura da qualidade começou a despertar. Antes o vinho do Porto era ruby, e barato, e vendido com pouca margem, e depois o vintage duas ou três vezes em cada década. Não havia nada entre os dois. Depois começou-se a criar um novo mercado e correu bem.

Com que idade foi para Inglaterra estudar?
Com 14 anos.

E regressou com quantos?
Com 24.

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Paul com o irmão Dominic às costas, também na casa de Pinheiro Manso, em 1958

E depois de dez anos em Londres, regressar a esse Porto parado no tempo não foi um aborrecimento?
Não. Senti-me sempre não muito inglês. Não me entrou na cabeça não regressar.

Mas depois de estudar ainda esteve um ano a trabalhar em Londres. Porquê?
Eu casei e a minha mulher não queria vir. Não falava português e ela pediu-me para ficar lá dois ou três anos depois de casarmos. Mas o meu pai estava sempre ao telefone: “Tens de vir, tens de vir.” Foi na época do 25 de Abril, quando o país estava muito complicado.

Repetiu esse modelo de educação com os seus filhos. Foram estudar para Inglaterra...
Foi uma asneira. O meu filho ainda não me perdoou. Está cá, tem duas filhas e diz-me: “Não vou fazer o que me fizeste.” Dois regressaram, outro quer vir para o ano e só a minha filha, que casou, duvido de que regresse.

Hoje, Portugal também é um país mais avançado do que nessa altura…
Olhe para a qualidade da Universidade do Porto! Estive lá quatro anos no conselho geral. A Faculdade de Engenharia está entre as 100 melhores do mundo. E há 26 mil universidades no mundo, vejam bem…

Qual é a melhor recordação que leva nestes anos todo à frente da Symington?
Talvez os grandes prémios. Ver o Dow’s ter 100 pontos na Wine Spectator é bom. A Wine Spectator é muito poderosa. Com todo o respeito pela Fugas ou pela Decanter ou pela Grandes Escolhas, nunca vi uma revista mexer assim com o mercado. O Dow’s de 2007 e 2011 estão a liderar os leilões internacionais de Porto vintage de há quatro anos para cá. Nós não ganhamos nada, o vinho foi vendido en primeur, mas o facto de haver gente a comprar e a vender o nosso vinho no mercado secundário fez com que o valor triplicasse. O Dow’s 2011 estava a 450 euros a caixa e hoje em dia está entre 1400 e 1500. O valor triplicou. E o 2007 passou de 450 para 780 euros.

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Se tivesse de escolher um vinho do Porto especialíssimo, escolhia um tawny ou um vintage?
Um vintage. Porque se está a beber história. Adoro tawnys velhos. Mas um vintage tem outra coisa. Fechou-se lá dentro com a rolha há não sei quantos anos. Sempre que abro um vintage penso no que estava a acontecer nessa altura. Penso em quem o fez, se foi o meu pai, se foi James ou o Peter, e penso nas condições do mundo nessa altura.

Qual é o grande vinho do seu mandato?
[silêncio longo] Acho que tem de ser o Dow’s 2007, que ainda é um miúdo. Eu tive a sorte de trabalhar estes anos com o Charles. O Peter [pai do Charles, conhecido no sector como “senhor nariz”] foi muito, muito bom. Mas eu acho que o Charles é ainda melhor. Tem de ser o 2011 ou o 2007 [já feitos por Charles]. Atirou-nos para um outro patamar. Há duas coisas que levo comigo. Uma é o respeito do pessoal. A maioria tem respeito por mim. A segunda foi ter ajudado a colocar a empresa entre as melhores. Financeiramente estou bem, tenho uma casa em Valadares, tenho uma quinta no Douro que me dá enorme gozo, onde vou passar grande parte da minha vida. Mas muito mais importante do que a situação financeira é ter o respeito do nosso pessoal. Das engarrafadeiras, do caseiro na Cavadinha, do senhor Américo, do tanoeiro. Felizmente que esse valor é muito forte nos meus primos. Se fosse só pela questão financeira, nós tínhamos feito muitas operações, de comprar e vender. Nós somos muito diferentes, há uma corrente muito forte entre nós: herdámos isto e devemos entregá-lo melhor à nova geração. Eu nunca pensei nisto como meu. Herdei do meu pai uma parte da empresa e vou entregá-la aos meus filhos e espero que eles tenham a mesma atitude. Se tivesse um primo que quisesse a todo o custo ter uma casa enorme na Quinta do Lago e um barco, era complicado. Mas o que eles querem é o que eu quero. Eles gostam realmente do Douro. Hoje [uma sexta-feira] ao fim do dia vou estar no meio da vinha com o meu cão maluco.

O que vai fazer a seguir?
Vou aprender a conduzir um tractor no Douro. Não sei conduzir no meio da vinha.

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