As greves que interessam, e as outras... sindicatos e “Os Sindicatos”
Um governo que apenas dá espaço a centrais sindicais alinhadas com partidos políticos na concertação social limita o real poder de negociação do trabalhador, subvertendo-o à vontade do executivo e das centrais sindicais.
Numa altura em que o assunto do dia, do mês e do ano são as greves, é importante refletir sobre esta forma de reivindicação consagrada na Constituição Portuguesa. Constatam-se dois tipos de greve: as que interessam... e as outras...!
As greves que se marcam nas vésperas da assinatura de um importante acordo coletivo de trabalho que já estava a ser negociado há anos e cujo resultado era já conhecido por todos os intervenientes há mais de um mês, “roubando” dois dias de vencimento aos trabalhadores que a essa greve aderiram, com o único intuito de reclamar para si o sucesso da greve num resultado por todos já conhecido, tendo como finalidade exclusiva engrossar as fileiras dos seus associados; as que se marcam com o intuito de ter quórum nas manifestações, aludindo à necessidade da justificação de participação nas mesmas para poderem exercer o direito à greve; as que se marcam no final do processo de negociação do Orçamento do Estado, quando tudo já está aprovado, apenas para se dizer que se luta/lutou por algo que já foi decidido e cujo teor já de nada vale; as que de carater geral, que arrastam todos os grupos profissionais para engrossar as manifestações e reivindicações de um ou dois grupos profissionais – os grupos profissionais que mais contribuem para os cofres desses sindicatos; as que são estrategicamente marcadas à sexta feira e entre pontes, para terem o maior número de adesão; as que são marcadas para intimidar os trabalhadores a fazerem greve sob (falsa) pena de terem de seguir o seu turno por mais oito ou 16 horas; as que são marcadas a mando de um partido político, para tentar demonstrar a força que como partido político já não tem; as que se marcam apenas com o objetivo de tentar demonstrar a vitalidade de um sindicato cada vez mais moribundo.
E... as outras:
As que incomodam porque não têm aval político; as que fogem ao controlo das grandes centrais sindicais; as genuínas e honestas que representam verdadeiramente os trabalhadores, normalmente incompreendidas e diminuídas pelos media; as de iniciativa dos trabalhadores nos seus locais de trabalho através das comissões de trabalhadores; as que efetivamente têm por finalidade forçar o governo a negociar melhores condições de trabalho; as que não retiram o direito ao vencimento dos trabalhadores – greves de zelo.
Temos ainda, além das greves (umas e outras), os sindicatos e “Os Sindicatos”!
As centrais sindicais cujos dirigentes pertencem a comissões políticas nacionais e comités centrais, “forçando” as cúpulas dirigentes dos sindicatos que as compõem a seguir a ideologia e conveniência desses mesmos partidos; os que têm todo o tipo de apoio de partidos políticos; os que convocam greves em momentos políticos chave; os que utilizam a atividade sindical para anestesiar e manipular os trabalhadores, aproveitando-se da sua ingenuidade política para influenciar as suas escolhas eleitorais; os que se fazem valer da sua cumplicidade política para reivindicarem a exclusividade negocial, impedindo dessa forma a participação nas negociações com as tutelas de “Os Sindicatos”; os que dizem representar todos os grupos profissionais (como se isso fosse possível!), querendo assim retirar o poder de representação de “Os Sindicatos” alegando serem uma versão sindical de “os donos disto tudo”; os que manipulam os seus atos eleitorais; os que apregoam a justiça e equidade nas relações laborais; os que aproveitam as ideias de “Os Sindicatos” e as reclamam como sendo suas; os que se calam quando as greves têm origem em grupos de trabalhadores que não são seus sindicalizados...
E temos “Os Sindicatos”:
Os sindicatos que se centram no seu grupo profissional, sendo profundos conhecedores das suas realidades; os que vivem sem ajudas partidárias; os que na sombra e sem publicidade, resolvem verdadeiramente os problemas laborais dos trabalhadores que representam; os que de facto querem negociar e encontrar soluções de compromisso apresentando propostas; os que tentam por todos os meios informar os direitos dos trabalhadores, não lhes omitindo os seus deveres; os sindicatos cujos dirigentes não são subservientes a partidos políticos nem toldados pelas suas ideologias; os que não se concentram em exclusivo na função pública mas no grupo profissional que representam como um todo; os que realmente perseguem a justiça e equidade nas relações laborais; os que apresentam soluções exequíveis e sem utopias popularistas; os sindicatos conscientes da real situação do país e dos trabalhadores.
É com esta dicotomia que se espelha a realidade dos defensores dos direitos laborais. Por um lado, a manipulação através do poder político e económico entorpecendo a real direção que uma associação representativa dos trabalhadores deve ter sempre presente, por outro lado, o esforço titânico e isento de quem de facto tem por objetivo melhorar as condições dos trabalhadores, não deixando, porém, de ter em conta as condicionantes do país e das empresas, tentando alvejar um equilíbrio justo entre trabalhadores e empregadores.
É com pena que se assiste diariamente à inobservância por parte dos sucessivos governos e das tutelas à falta de diálogo com “Os Sindicatos” – estruturas representativas dos trabalhadores que querem de facto chegar a entendimentos, aliás uma recomendação da OIT, sejam a curto ou médio prazo com vista à cessação dos diferendos laborais, permitindo aos trabalhadores almejarem a realização profissional e pessoal e aos empregadores uma maior eficiência e produtividade, encontrando assim o equilíbrio entre as necessidades de ambos. Um governo que apenas dá espaço a centrais sindicais alinhadas com partidos políticos na concertação social limita o real poder de negociação do trabalhador, subvertendo-o à vontade do executivo e das centrais sindicais. Prova disto é o que acontece quando uma greve foge ao controlo das centrais sindicais: é apelidada de rude, inconveniente e cruel, atropelando o pleno direito de greve, imiscuindo-se da negociação e instigando a opinião pública contra a legítima reivindicação dos trabalhadores, tentando depois encapotar supostas negociações com sindicatos que lhe são subservientes, diminuindo e denegrindo perante a opinião pública as verdadeiras motivações dos trabalhadores.
O sindicalismo Português e os governantes Portugueses devem evoluir e atualizar a forma como se discutem ao mais alto nível as necessidades do tecido produtivo de um país, negociando caso a caso, profissão a profissão, tal como acontece nas democracias evoluídas, e não tentar nivelar o que não é nivelável por inerência da especificidade de cada profissão.
O atual panorama do sindicalismo Português não é mais que uma tragédia greco-romana alternando entre duas máscaras: a comédia e a tragédia, manipulando o riso e o choro de um povo. Já no tempo de Júlio César se dizia: “dá-lhes pão e circo.”
Exige-se assim, em benefício de toda a sociedade, a real discussão pública deste paradigma que permita o real progresso da sociedade Portuguesa.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico