Erik Trinkaus: “O que faziam as pessoas do Paleolítico Superior aos seus mortos?”
O antropólogo norte-americano reencontrou-se com o esqueleto da criança do Lapedo (não o via há 12 anos), que analisou logo no início da descoberta. Este sábado fala no Museu de Leiria sobre a criança, sexo e morte.
Mantém-se o mistério sobre as causas da morte da criança do Lapedo há 29 mil anos, mas o seu esqueleto suscita agora ao antropólogo Erik Trinkaus (da Universidade de Washington em Saint Louis, EUA), que está em Portugal, perguntas sobre o comportamento funerário naqueles tempos.
O que é que os ossos da criança do Lapedo ainda nos podem dizer?
Há 20 anos, o assunto quente era se tinha havido mistura entre neandertais e humanos modernos. Hoje, a miscigenação já não é uma questão, é passado. Agora, o que é mais interessante é toda a sepultura, o contexto, não só os ossos. Muitos de nós estão interessados no comportamento funerário das pessoas desse período [o Gravetense, no Paleolítico Superior]. O que faziam com os seus mortos? A forma como as pessoas tratavam os mortos é um reflexo da sociedade, é um reflexo dos papéis sociais nessa sociedade – se as crianças seriam tratadas de forma diferente, se os homens e as mulheres seriam tratados de forma diferente... Se os indivíduos com algum defeito, que hoje diríamos um problema médico, seriam também tratados de maneira diferente e enterrados sozinhos. Podemos ir para lá dos ossos e ver o que é que o contexto de enterramento pode dizer-nos sobre variações nas práticas de enterramento que reflictam diferenças sociais. Podemos usar a criança do Lapedo como um exemplo de um comportamento mais lato. Os ossos da criança têm poucas patologias, eram saudáveis, mas ela morreu aos quatro ou cinco anos de idade.
O que vai dizer este sábado na sua palestra no Museu de Leiria?
A minha palestra é sobre a criança do Lapedo, sexo e morte. O sexo refere-se à miscigenação: quem estava a fazer sexo com quem? O sexo é interessante se formos nós a fazê-lo. A morte refere-se precisamente à questão de como tratavam os restos mortais uns dos outros. Passámos da questão do sexo para um olhar sobre estas populações como pessoas, usando as provas que pudemos para olhar para o comportamento funerário. E a criança do Lapedo é mais uma peça do puzzle que nos ajuda a fazer perguntas interessantes. É o único exemplo de uma destas sepulturas [do Gravetense,] que temos a sul de França.
Há quanto tempo não via o esqueleto?
A última vez foi em 2006, quando o esqueleto foi exposto na Alemanha [na exposição sobre os 150 anos da descoberta do Neandertal no vale de Neander, perto de Düsseldorf]. É um esqueleto muito especial, está muito completo e permite-nos olhar para aspectos diferentes.