Vinte anos depois, a festa
O abrigo rochoso onde o esqueleto da criança foi descoberto voltou este ano a ser escavado. A ideia é procurar vestígios da presença humana no abrigo perto da altura em que viveu criança, período de transição entre os primeiros humanos modernos e os últimos neandertais.
Para comemorar os 20 anos da descoberta do esqueleto da criança do Lapedo, este fim-de-semana há uma conferência internacional no Museu de Leiria, inaugurou-se uma exposição no Museu Arqueológico de Zagreb (na Croácia) e até já tinha sido realizado um filme, com pouco mais de quatro minutos, que recria o enterramento da criança. A preto e branco, a única cor viva no filme é a pele de animal tingida de ocre vermelho que embrulha a criança, que um homem leva ao colo até ao sítio do enterramento.
Para já, a romaria é ao Museu de Leiria para a conferência internacional, organizada pela arqueóloga Ana Cristina Araújo e pela geoarqueóloga Ana Maria Costa (do Laboratório de Arqueociências, da Direcção Geral Património Cultural) em conjunto com Vânia Carvalho, do museu. Haverá palestras de nomes como o do arqueólogo português João Zilhão, do antropólogo norte-americano Erik Trinkaus, do paleoantropólogo espanhol Juan Luis Arsuaga ou da antropóloga portuguesa Eugénia Cunha. E, ainda, uma visita ao Abrigo do Lagar Velho no vale do Lapedo (perto de Leiria) onde o esqueleto esteve enterrado durante 29 mil anos, com a presença não só de João Zilhão mas também da antropóloga Cidália Duarte, os dois responsáveis pela escavação arqueológica há 20 anos.
Este ano, as escavações também regressaram ao Abrigo do Lagar Velho, num projecto de Ana Cristina Araújo e Joan Daura (da Universidade de Barcelona). “O sítio tem uma superfície datada de há 27 mil anos, extremamente bem preservada. Tem restos de animais consumidos, sobretudo veado, instrumentos líticos e zonas de combustão”, conta Ana Cristina Araújo. A escavação desse sítio estava interrompida há anos. “Agora retomámos a escavação para completar o estudo dessa superfície e para verificar se os níveis inferiores, mais antigos, contêm vestígios do início da sequência do Paleolítico Superior, na transição entre o final dos neandertais e os primeiros humanos anatomicamente modernos.”
Também tencionam escavar outros abrigos rochosos no vale do Lapedo, classificado como monumento nacional em 2013. “Eram abrigos explorados por estas comunidades de caçadores-recolectores. Grupos distintos, clãs, ocupavam diferentes abrigos ao longo do ano. Vamos seguramente encontrar outros vestígios destas comunidades humanas.”
No início deste mês o Abrigo do Lagar Velho “chegou” ao Museu Arqueológico de Zagreb. Até Março, poderá aí ver-se “Dois grandes arquivos da pré-história de Portugal: os sítios arqueológicos do Côa e do Lagar Velho” (a parte do Côa teve os contributos de Thierry Aubry e Dalila Correia, da Fundação Côa-Parque). Daí, a exposição deverá seguir para o Museu Arqueológico de Pula, também na Croácia.
Em Portugal, está prometida uma exposição sobre evolução humana no Museu Nacional de Arqueologia (MNA), em Lisboa. Partir-se-á de um crânio com 400 mil anos descoberto em 2014 na gruta da Aroeira, no complexo arqueológico do Almonda, em Torres Novas. O crânio da Aroeira, como é conhecido, é o fóssil humano mais antigo descoberto em Portugal, em 2014. E ir-se-á até ao esqueleto da criança do Lapedo, que nunca foi exposto em Portugal. Uma data para esta exposição está dependente de financiamento, refere o director no MNA, António Carvalho. “É um objectivo estratégico do MNA fazer essa exposição, assim que tenhamos orçamento para a fazer.”
Quanto à exposição em Zagreb, além de textos, imagens e ilustrações sobre o Lapedo preparados pela mesma equipa que organiza agora conferência em Leiria, contou ainda com a participação de alunos de belas-artes que construíram um modelo 3D do enterramento. Inspiraram-se no filme Uma história com 29 mil anos: recriação imaginada do menino do Lapedo, realizado há cerca de três anos por Diogo Vilhena para o Museu de Leiria, com a participação do grupo de teatro O Nariz. “É uma recriação de como teria sido o enterramento”, conta Ana Cristina Araújo, que participou na escavação do esqueleto há 20 anos. “Fomos ao vale do Lapedo e, com base na interpretação que eu e a Ana Maria Costa fizemos do ambiente, dos personagens, dos barulhos, do rio, os pássaros, recriámos o enterramento.”