Doentes graves com cirurgias adiadas causam "extrema" preocupação a hospitais
Presidente da associação dos administradores hospitalares alerta para consequências graves da greve dos enfermeiros. Bastonária estimou uma média de 500 operações adiadas por dia.
Os administradores hospitalares alertam que há doentes em situações graves que estão a ver as cirurgias adiadas com a greve dos enfermeiros, considerando que o panorama é "extremamente grave". Em causa a greve dos enfermeiros, com enfoque especial nos blocos operatórios, e que pode durar até ao final do ano.
Esperava-se que os sindicatos dos enfermeiros reunissem nesta quarta-feira com a comissão negociadora do Ministério da Saúde. Ao final do dia, porém, o Sindepor (Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal) confirmou, na sua página de Facebook, que não foram recebidos pela comissão negociadora, que manteve a posição de não receber os sindicatos enquanto estes continuarem em greve.
"Reiteramos que esta [greve] não será cancelada enquanto não houver garantias seguras e assinadas pela tutela, de compromisso sobre os objectivos principais evocados no pré-aviso de greve", adiantou o sindicato.
"Existem várias situações de doentes que necessitam de forma urgente de uma cirurgia sem que seja contemplada pelos serviços mínimos, que, na prática, consideram doentes oncológicos e os que entram pela porta da urgência", afirmou à agência Lusa o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares.
Isto porque, segundo Alexandre Lourenço, os serviços mínimos decretados para esta greve são serviços mínimos típicos para uma greve de um, dois ou três dias, quando esta paralisação vai durar no total mais de um mês, até ao final de Dezembro. Para o responsável, a situação actual nos hospitais onde decorre há uma semana e meia a greve dos enfermeiros em blocos operatórios é "extremamente grave".
"Há um conjunto de doentes que se não forem operados vão ter danos claros sobre o seu estado de saúde que não será recuperado no curto ou no longo prazo", declarou.
O presidente da associação dos administradores hospitalares apela ao Ministério da Saúde para que divulgue aos portugueses as situações de doentes graves com cirurgias adiadas ou que autorize as administrações dos hospitais a fazerem-no. E vinca a importância de que o Ministério da Saúde e os sindicatos cheguem a um acordo para terminar esta greve, apelando à "sensibilidade por casos individuais graves".
Os sindicatos e a Ordem dos Enfermeiros têm referido que a greve em blocos operatórios de cinco hospitais públicos está a levar ao adiamento de cerca de 500 cirurgias por dia, mas Alexandre Lourenço não avança dados concretos da parte dos hospitais, preferindo destacar os "casos graves" que não estão a ser atendidos.
"Já ultrapassámos até uma avaliação do número de cirurgias que estão a ser adiadas. Estamos a falar de casos individuais de doentes que pela gravidade do seu estado de saúde vão ser prejudicados para a vida por este adiamento de cirurgias", insistiu.
Na quarta-feira, à margem de uma deslocação a Castelo Branco, a secretária de Estado da Saúde afirmou que o Governo está "cheio de vontade" de chegar a um acordo com os enfermeiros, mas ressalvou que é preciso haver vontade das duas partes. "Estamos a dar os passos necessários. Para se chegar a um acordo é preciso que haja vontade, vontade das duas partes", afirmou Raquel Duarte.
Serviços mínimos
A bastonária da Ordem dos Enfermeiros garante que os profissionais em greve nos blocos operatórios estão a "cumprir escrupulosamente" os serviços mínimos decretados e não admite que se ponha em causa a ética e deontologia dos enfermeiros.
Ana Rita Cavaco concorda com a descrição feita pelos administradores hospitalares de que a situação com a greve dos enfermeiros a cirurgias programadas é "extremamente grave", mas assegura que os profissionais estão até a ir além dos serviços mínimos decretados.
Segundo a Ordem, mais de 4000 cirurgias já foram adiadas desde que começou a greve, há menos de duas semanas. Ana Rita Cavaco diz não compreender as razões pelas quais o Ministério não divulga o número de cirurgias afectadas pelo protesto dos enfermeiros.
"Espero que não venham acusar os enfermeiros de estarem a ser eticamente incorrectos relativamente ao cumprimento dos mínimos. Os enfermeiros estão a cumprir tudo o que é exigido em termos de serviços mínimos e até além disso", comentou em declarações à agência Lusa a representante dos enfermeiros, indicando que há até cirurgias oncológicas que estão a registar menos tempo de espera.
"Não vou permitir que nenhuma classe profissional venha pôr em causa a deontologia e a ética dos enfermeiros relativamente aos doentes", sublinhou.
A bastonária disse ainda que não cabe aos enfermeiros definir os planos operatórios. Por exemplo, entre operar um doente oncológico de ortopedia ou um paciente com uma fractura exposta, cabe ao médico-cirurgião tomar essa decisão.
Ronda negocial
Os enfermeiros dos blocos operatórios do Centro Hospitalar Universitário de S. João (Porto), no Centro Hospitalar Universitário do Porto, no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte e no Centro Hospitalar de Setúbal estão em greve desde o dia 22 de Novembro e admitem prolongar a paralisação até final do ano.
A greve foi convocada pela Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros (ASPE) e pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), embora inicialmente o protesto tenha partido de um movimento de enfermeiros que lançou um fundo aberto ao público que recolheu mais de 360 mil euros para compensar os colegas que aderissem à paralisação.
Esta quinta-feira, cumpre-se mais uma ronda negocial entre o ministério e os sindicatos dos enfermeiros. Mas o ministério avisou que não negociaria com os sindicatos que estão em greve. Já estes fizeram saber que se irão apresentar no ministério.
"A nossa pretensão é continuar as negociações com o governo, na expectativa de que haja uma aproximação de posições que nos possa levar à desconvocação da greve cirúrgica em curso. Relembramos que foi o SINDEPOR e a ASPE que decretaram a greve e que apenas estas duas estruturas sindicais poderão desconvoca-la", diz um Sindepor num comunicado enviado às redacções.
Na mesma nota recordam que "os enfermeiros na sua generalidade se identificam com as propostas e acção destas duas estruturas sindicais, e a prova disso é a fortíssima adesão a esta greve assim como o apoio e solidariedade que temos recebido por parte dos colegas de outras unidades funcionais e até profissionais de outros sectores".
"Assim achamos estranho que o governo tenha anunciado negociações para hoje [quarta-feira] com as estruturas sindicais e não nos tenha confirmado", acrescenta ainda no comunicado.