Xi Jinping chega a Lisboa com OPA em compasso de espera
Presidente chinês visita Portugal com a OPA sobre a EDP envolta em incertezas e várias contas de subtrair aos lucros da empresa em cima da mesa.
Com o anúncio preliminar da Oferta Pública de Aquisição (OPA) da China Three Gorges (CTG) sobre a EDP a entrar no sétimo mês, e sem que, aparentemente, se tenham desatado os nós regulatórios que pairam sobre a operação, o presidente chinês Xi Jinping chega a Lisboa com uma agenda voltada, entre outros temas, para o reforço da “amplitude da cooperação pragmática” entre os dois países, conforme descreveu o líder chinês no artigo de opinião que publicou no Diário de Notícias e no Jornal de Notícias no passado domingo.
Com temas pendentes entre a eléctrica liderada por António Mexia e o Governo, será curioso ver como irá este pragmatismo aplicar-se ao assunto EDP, de que o Estado chinês já é, por via da CNIC e da CTG, o maior accionista, com 28,25% do capital.
Neles se inclui o acordo de princípio entre a EDP e o Governo para que a empresa retome o pagamento da taxa extraordinária da energia – que ainda em Outubro voltou a contestar em tribunal –, mas também as contas finais dos polémicos contratos CMEC (que se saldaram em menos 100 milhões de euros do que o reclamado pela EDP) e em que se inclui outra decisão, aprovada pelo Governo no Verão, que corta 285 milhões de euros aos ganhos da empresa. Também estas decisões estão a ser contestadas pela EDP (que no caso do corte de 285 milhões de euros realizou uma provisão extraordinária que afectou os lucros, mas garantiu não pretender diminuir o valor de dividendos a pagar aos accionistas).
Com o presidente da CTG, Lin Wang, integrado na comitiva de Xi Jinping, parece incontornável que estes temas sejam abordados ao mais alto nível, tal como o da própria OPA, sobre a qual o primeiro-ministro António Costa deixou claro desde o dia do anúncio que o Governo não tem “nada a opor”. O Executivo até já tinha incluído, no Verão de 2017, um ponto no Código dos Valores Mobiliários que poderá facilitar a vida aos investidores chineses, visto que abre a porta a que as duas entidades estatais chinesas (CTG e CNIC) possam votar em assembleia-geral com a totalidade do capital (28,25%), ultrapassando a limitação nos estatutos da EDP que impede um accionista de votar com mais de 25% do capital.
Ainda assim, aparentemente, o futuro da OPA continua incerto. De entre as várias autorizações regulatórias que a CTG estabeleceu como condição para o lançamento da oferta, apenas chegou luz verde do Brasil (sendo que é no caso dos Estados Unidos, que é o principal mercado da EDP Renováveis e o principal motor de crescimento do grupo, que parece mais improvável que a operação se possa fazer sem obrigar à venda ou à troca de activos com um concorrente).
E em Portugal há outra barreira que não vem no rol de condições, mas que pode vir a revelar-se intransponível: a certificação da REN como operador das redes de transporte de electricidade e gás natural pode ser posta em causa se se considerar que o reforço da CTG no capital da EDP gera um conflito de interesses entre os accionistas destas duas empresas. Isto porque a CTG é uma empresa estatal chinesa, tal como a State Grid, a empresa que detém 25% da REN, e as regras europeias obrigam à total separação entre as entidades que têm as actividades de transporte (REN) e aquelas que têm actividades de produção eléctrica (EDP). Mas essa é uma questão que a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) só terá de avaliar se a OPA, com a qual a CTG procurará alcançar pelo menos 50% mais uma acção da EDP, for registada e avançar.
Bruxelas atenta
O tema está nos radares da Comissão Europeia que, no entanto - e apesar das tentativas de Paris e Berlim para conseguir dotar Bruxelas de instrumentos para bloquear os investimentos chineses em sectores considerados estratégicos -, apenas poderá pronunciar-se sobre o negócio numa óptica das concentrações de mercado e da concorrência. Contudo, se o tema da certificação da REN vier para cima da mesa, Bruxelas também poderá ter uma palavra a dizer. Embora a decisão final sobre a certificação caiba ao regulador nacional, as regras europeias sobre separação de actividades prevêem que “as entidades reguladoras deverão ter na máxima consideração o parecer da Comissão sempre que tomem decisões em matéria de certificação”.
O PÚBLICO questionou a CTG acerca das razões que estão a atrasar o processo e a empresa chinesa repetiu a resposta que já tinha enviado à Bloomberg no início de Novembro, garantindo que “continua a avançar com os registos regulatórios, continuando a trabalhar com uma vasta equipa de assessores em discussões com reguladores de diferentes jurisdições”.
Fontes ouvidas pelo PÚBLICO recordam que (independentemente do futuro da OPA, que já é, só por si, sinal de uma nova atitude) a CTG já é a maior accionista da EDP. No entanto, até à data tem sido reticente em fazer corresponder o seu peso no capital ao poder efectivo na gestão. Algo que até poderá mudar, agora que a estrutura accionista da EDP deixou de contar com o fundo norte -americano Capital Group, investidor visto como próximo da gestão e como um contrapeso à influência chinesa.
No início de Outubro, o fundo norte-americano (o segundo maior accionista da EDP) reduziu a sua posição de perto de 10% para 2,95% e, duas semanas depois, anunciou a venda da totalidade das acções – no que foi descrito por Mexia como uma consequência do corte de 285 milhões aos ganhos.
A EDP pronunciou-se em Setembro sobre este tema, adiantando que os seus accionistas pretendiam iniciar processos de arbitragem contra o Estado português. Fontes ligadas à CTG garantiram ao PÚBLICO que não foi desencadeado qualquer procedimento.
Foi também a partir do mês de Setembro que a acção EDP passou a transaccionar consistentemente em níveis inferiores à contrapartida de 3,26 euros oferecida pelos chineses na OPA (um valor abaixo dos 3,45 euros por acção que pagaram na privatização e que a equipa de Mexia já considerou baixo). Na segunda-feira, os títulos fecharam a valer 3,11 euros.
Com a saída do Capital Group, a família espanhola Masaveu (através da Oppidum), voltou a ocupar o lugar de segunda maior accionista da EDP, com 7,19%, seguindo-se, com 5%, uma outra gestora de fundos norte-americana, a Blackrock (que também tem 4,8% da REN e 3,39% do BCP).
Mantêm-se com posições ligeiramente acima dos 2% os veículos de investimento de outros Estados estrangeiros: o Norges Bank (Noruega), a Qatar Investment Authority, a Sonatrach (Argélia), e a Mubadala, do Governo de Abu Dhabi. Como investidor de referência português resta o BCP e o fundo de pensões do BCP, com 2,43%.
A grande novidade foi a chegada ao capital da EDP – apenas quatro dias depois da saída do Capital Group – de Paul Elliott Singer, o investidor que ganhou fama (e o epíteto de “abutre”) ao investir em dívida argentina, e que comprou uma posição de 2,29% no capital da eléctrica.