Galopim de Carvalho alerta que bloco na Praia Grande ameaça ruir. Câmara de Sintra diz que não há perigo

António Galopim de Carvalho avisou que um bloco na vertente de pegadas de dinossauros da Praia Grande ameaçava ruir e pediu uma avaliação. Um geólogo da Câmara de Sintra já fez a avaliação e diz que não há motivo para encerrar o percurso por falta de segurança.

Foto
Placa de aviso para a queda de blocos Mário Cruz/Lusa

Na semana passada, o geólogo António Galopim de Carvalho alertou que um bloco na vertente das pegadas de dinossauros da Praia Grande (em Colares, Sintra) ameaçava ruir, pondo assim em risco o acesso ao areal. Na última quinta-feira, um técnico da Câmara Municipal de Sintra avaliou a estabilidade da vertente e – no parecer que elaborou depois da visita ao local – refere-se que não há fundamento para encerrar o percurso ou acesso por falta de segurança.

“Fizeram uma escadaria nova e, em frente a umas pegadas, há um patamar onde as pessoas param para ver, mas na escarpa está um pedaço de camada que já está solto, com ar de estar desprendido do resto, que com uma chuvada forte pode cair”, descrevia (e alertava) António Galopim de Carvalho, citado pela agência Lusa. O professor catedrático jubilado da Universidade de Lisboa, de 87 anos, visitou com alunos e professores da Escola Básica da Sarrazola (Colares) a jazida de pegadas de dinossauros da Praia Grande e ficou “com o coração ao pé da boca”, como afirmava ainda o geólogo num texto enviado à imprensa.

“Estive lá com um grupo de crianças e, naqueles cinco ou dez minutos, só para explicar, estava preocupado e enquanto não corri com as crianças dali para fora não descansei”, contou o antigo director do então Museu Nacional de História Natural.

Foto
Bloco que ameaça ruir na Praia Grande, segundo Galopim de Carvalho Mário Cruz/Lusa

No texto – também publicado no blogue De Rerum Natura, de divulgação científica –, o geólogo alertou que “uma parte da camada de calcário (sobrejacente à que contém as pegadas), com perto de uma dezena de toneladas, está prestes a ruir”. António Galopim de Carvalho avisava para a possibilidade de ser precisamente sobre as cabeças de quem estiver no pequeno patamar, existente na escadaria de acesso à praia pelo lado de Almoçageme, que irá cair, “a qualquer momento, a dita porção de rocha”.

Em declarações à Lusa, o geólogo defendeu ainda a realização de uma avaliação pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), que possui técnicos especializados “na consolidação das vertentes”, destaca. “Aquilo devia ser visto por alguém com capacidade de dizer o que ali se pode fazer. Estou convencido de que quem lá for vai dizer que tem de ser desmontado, tem de ser retirado, porque não tem conserto”, advogou Galopim de Carvalho.

O geólogo admitiu que existem casos de consolidação de blocos, mas este “não tem dimensão para suportar uma intervenção dessas”, dado o peso provável de “seis ou dez toneladas.” E adiantou: “A camada que está para cair está por cima da camada que tem as pegadas.”

O bloco que ameaça ruir não tem pegadas, enquanto a camada de baixo exibe pegadas de um dinossauro carnívoro, revelou o geólogo. Recordou ainda que, há mais de 15 anos, um técnico do LNEC, Laranjeira Gomes Coelho, deu conhecimento ao Parque Natural de Sintra-Cascais e à Câmara de Sintra do risco de queda de blocos, mas nada se fez e, “no Inverno seguinte, parte da camada caiu e a escada esteve interrompida com toneladas de pedra durante anos”, conta.

“A câmara mandou limpar aquilo e construiu um corrimão muito sólido, que torna a subida das escadas segura, só que as camadas continuam desprotegidas superiormente e, sempre que chove, a água entra nas fendas entre camadas, nas chamadas superfícies de estratificação, e elas têm tendência a escorregar e a cair”, frisou.

Foto
Há mais de 15 anos, um técnico do LNEC deu conhecimento ao Parque Natural de Sintra-Cascais e à Câmara de Sintra do risco de queda de blocos Pedro Cunha/Arquivo

Perante este cenário, o investigador apontou a necessidade de intervir no topo da arriba, uma vez que para “preservar as pegadas mais 30, 40 ou 100 anos, elas têm de ser forçosamente protegidas por cima”. E reitera: “A saída daquele bloco deve deixar ver mais uma ou duas pegadas da camada de baixo, porque a camada que tem pegadas não está para cair para já.”

No percurso pedonal das pegadas de dinossauros, na estrada entre Almoçageme e a Praia Grande, como a Lusa constatou, permanecem duas placas com avisos de risco de “queda de blocos” e de “acesso condicionado”, aconselhando-se para que “o número de observadores no trilho não exceda as dez pessoas”.

Visita da Câmara de Sintra

No início da semana passada, fonte oficial da Câmara de Sintra, segundo a Lusa, disse que técnicos do serviço municipal de Protecção Civil informaram que “não se verificam desprendimentos de inertes na escadaria e não há razões para cortar o acesso, mas considerando tratar-se de uma zona geologicamente instável será efectuada uma avaliação geológica do estratificado com carácter de urgência”.

A visita ao local já decorreu na última quinta-feira, disse ao PÚBLICO o assessor de imprensa da Câmara Municipal de Sintra. A visita foi feita por um geólogo da Câmara de Sintra – que contou com elementos da Câmara de Sintra, da Agência Portuguesa do Ambiente e da Marinha Portuguesa – para analisar a estabilidade da vertente e a sua segurança para os utilizadores.

Quais as conclusões? “Não foi apurado fundamento que determine o encerramento do percurso ou acesso por falta de segurança”, refere-se na informação que faz parte do parecer elaborado após a visita ao local. Refere-se ainda que o risco existente está bem identificado na sinalização colocada em cada lado do percurso, ficando assim os utilizadores informados.

Por fim, acrescenta-se: “É possível melhorar a segurança local sem pôr em causa o vestígio icnofóssíl. Uma intervenção pontual pode vir a ser realizada. É um projecto que se enquadra bem com as competências da Agência Portuguesa do Ambiente, entidade que tem experiência neste tipo de intervenção.”

Num clima tropical

E que registo icnofóssíl é este? Em 1983, José Madeira e Rui Dias (actualmente na Universidade de Lisboa e na Universidade de Évora, respectivamente) descobriram trilhos com pegadas de dinossauros numa camada de calcário, “empinada quase à vertical, na arriba que limita a sul a Praia Grande do Rodízio, perto de Colares”, conta Galopim de Carvalho.

Essa jazida de pegadas de dinossauros data do período Cretácico, composta por marcas de animais herbívoros e carnívoros que ali passaram há cerca de 120 milhões de anos. “Estas marcas ou vestígios fósseis mostram que, há cerca de 120 milhões de anos, andaram nestas paragens corpulentos dinossáurios herbívoros (ornitópodes) e carnívoros (terópodes), a avaliar pelas dimensões das respectivas pegadas”, refere o geólogo.

Foto
Câmara de Sintra já fez a avaliação e diz que não há motivo para encerrar o percurso por falta de segurança Mário Cruz/Lusa

Nessa altura, o nosso território encontrava-se a uma latitude mais baixa e o clima era tropical. “A região era uma planície litoral com lagunas frente a um mar estreito e pouco profundo, a separar as terras hoje da Península Ibérica das da costa do Labrador, no Canadá, uns 25 milhões de anos antes da abertura do Atlântico Norte. A serra de Sintra só se elevaria uns 35 milhões de anos depois”, descreve Galopim de Carvalho.

O geólogo conta ainda na informação enviada à imprensa que em 1992 iniciou diligências para uma “conveniente musealização do sítio, de modo a torná-lo acessível à fruição por parte do público, intervenção essa, sempre prometida e nunca concretizada, face a este relevante pólo de atracção turística.”