Alentejo tem 84 pedreiras com pedidos de legalização especial

Regime extraordinário lançado pelo Governo Passos Coelho visava regularizar as indústrias cuja manutenção da actividade era incompatível com os instrumentos de gestão territorial. Memorando da reunião de 2014 revela a preocupação dos empresários com possível desabamento da estrada.

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Pedreira onde ruiu a estrada de Borba na passada segunda-feira LUSA/NUNO VEIGA

Oitenta e quatro pedreiras da região do Alentejo tentaram regularizar a sua actividade industrial no âmbito do Regime Extraordinário de Regularização das Actividades Económicas (RERAE), lançado pelo Governo de Pedro Passos Coelho, em 2014. Este regime tinha entre os seus objectivos regularizar indústrias “cuja exploração era incompatível com instrumentos de gestão territorial e ou condicionantes ao uso do solo”.

E, destas 84 pedreiras, há 40 que estão neste momento em actividade. Em resposta a questões enviadas pelo PÚBLICO, o Ministério do Ambiente e da Transição Energética, que tutela a Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) confirmou que, destas 40 pedreiras activas, 23 estão na chamada “zona dos mármores”, isto é, nos concelhos de Estremoz, Borba e Vila Viçosa.

O PÚBLICO não conseguiu confirmar se alguma das duas pedreiras que ladeava a EN255, a estrada que ruiu na passada segunda-feira – a Associação Portuguesa de Geólogos alertou esta quinta-feira para o risco de desabamento do restante troço da estrada –, está inserida neste processo. Mas o volume de empresas que a ele se candidatou, apenas na região dos mármores, é já revelador das incompatibilidades que existem entre o exercício desta actividade e os instrumentos de gestão do território.

Lançado quando Jorge Moreira da Silva era ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, o RERAE visava criar um mecanismo para avaliar “a possibilidade de regularização de um conjunto significativo de unidades produtivas que não dispõem de título de exploração ou de exercício válido face às condições actuais da actividade”. Como se lê no preâmbulo do Decreto de lei 165/2014, o Governo pretendia regularizar “estabelecimentos e explorações de actividades industriais, pecuárias, de operações de gestão de resíduos e de explorações de pedreiras incompatíveis com instrumentos de gestão territorial e ou condicionantes ao uso do solo”. Algumas dessas incompatibilidades, lê-se, são as “desconformidade com os planos de ordenamento do território vigentes ou com servidões administrativas e restrições de utilidade pública”.

O pedido de regularização das pedreiras deveria ser apresentado, como decorre da lei, à entidade licenciadora que, no caso, é a Direcção-Geral de Energia e Geologia. E decorre da lei também que o recibo comprovativo da apresentação deste pedido de regularização passasse a ser título legítimo para exploração provisória, até que a empresa requerente fosse notificada da deliberação final desse pedido. Aparentemente são processos morosos de deliberar, já que dos 84 pedidos entrados só na região do Alentejo, apenas seis processos estão decididos: cinco foram decididos favoravelmente e apenas um foi indeferido. Em curso continuam 78 processos.

“Decisão informada e ponderada”

Quando fez a lei, no âmbito de uma autorização legislativa concedida pela Assembleia da República, o Governo defendia a iniciativa dizendo que “só um juízo comparativo entre os custos económicos, sociais e ambientais da desactivação do estabelecimento ou desmantelamento das explorações, por um lado, e os prejuízos para os interesses ambientais e do ordenamento do território na sua manutenção, por outro”, poderia habilitar “uma decisão informada e ponderada”. Essa decisão teria de surgir numa conferência decisória, em que estivessem à mesma mesa todas as entidades que se deveriam pronunciar sobre o pedido de legalização.

O RERAE prevê que, assim que seja deliberado positivamente, as câmaras municipais e a administração central poderiam inclusive aceitar alterações de planos directores municipais e outros planos de ordenamento do território.

A alteração dos planos de ordenamento e de pormenor para a zona das pedreiras era um dos requisitos que constam do memorando da reunião de empresários na zona das pedreiras de Borba. Divulgado pela TSF, e com o título Memorando sobre a Problemática da Estrada 255, está assinado pelos representantes da Marmetal e Margrimar e pelos empresários Lopes Batanete e Plácido José Simões. Neste documento, estes empresários defendiam a interdição da estrada por razões de segurança, admitindo que a sua manutenção punha em risco também a vida dos trabalhadores.

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Operações de resgate em Borba NUNO VEIGA/LUSA

A solução defendida por estes industriais era a de que empresários e autarquia pudessem ver aprovada em assembleia municipal a decisão de interditar a estrada, para com isso “reabilitar a exploração naquelas pedreiras e consequentemente contribuir para o crescimento dos postos de trabalho”. A ideia era fechar a estrada e explorar o recurso mineral em que ela estava assente e dividir os benefícios económicos da exploração daquele mármore entre os empresários e a câmara municipal. “Os industriais irão desenvolver planos articulados de lavra, à semelhança do que sucede em outras áreas próximas e em outras explorações; e a Câmara Municipal de Borba, enquanto proprietária do recurso, auferirá, por direito, benefícios económicos pela disponibilização de um recurso que lhe pertence”, lê-se no documento.

A empresa de Plácido José Simões é a que detém a propriedade de uma das pedreiras em causa – a que estava com o plano de lavra em suspensão. O documento não é assinado pelo responsável da Ala Almeida Lda, a empresa que tinha funcionários a trabalhar.

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