Barnier abre nova fase da negociação sobre a parceria futura UE-Reino Unido

Negociador europeu mostra o resultado de 17 meses de negociações intensas: um tratado jurídico com 185 artigos, três protocolos e vários anexos. Líderes europeus serão chamados a ratificar o acordo numa cimeira extraordinária a 25 de Novembro.

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Michel Barnier apresenta o calhamaço com o projecto de acordo de saída do Reino Unido da União Europeia LUSA/OLIVIER HOSLET

Foi preciso esperar pelo fumo branco na chaminé de Downing Street, mas assim que a primeira-ministra, Theresa May, confirmou que tinha garantido o apoio do seu Governo ao acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia fechado a nível técnico, a engrenagem de Bruxelas pôs-se em marcha. Meia hora depois, o negociador chefe da Comissão Europeia, Michel Barnier, informava que, ao fim de 17 meses de negociações intensas, é chegado o momento de pedir aos líderes europeus o seu aval político ao resultado. “Considero que fizemos progressos decisivos”, declarou o diplomata europeu — uma frase que serve de senha para a convocação de um Conselho Europeu extraordinário a 25 de Novembro, mas que ainda não põe o ponto final nas negociações.

“Organizámos um tratado jurídico que garante a saída ordenada do Reino Unido da União Europeia. É um documento preciso e detalhado, que traz segurança jurídica para todas as pessoas, e sobre todos os assuntos em que se sentirão as consequências do ‘Brexit’”, congratulou-se Barnier, que segurava na mão o calhamaço de quase 500 páginas com os 185 artigos, três protocolos e vários anexos que constitui o projecto de acordo completo.

“Este é um momento importante para a conclusão desta negociação extraordinária”, prosseguiu o político francês mandatado pelos 27 chefes de Estado e Governo da UE para conduzir os trabalhos. “Mas ainda há muito trabalho a fazer”, alertou. “Temos um caminho longo e porventura difícil a percorrer para construir uma parceria ambiciosa e duradoura com o Reino Unido” após o “Brexit”, declarou. Prometeu “continuar a trabalhar como até aqui, metodicamente, objectivamente, com energia e determinação e todo o respeito pelo grande país que é o Reino Unido”.

Foi o culminar de um dia de espera em Bruxelas: depois de na tarde de terça-feira, a imprensa britânica ter começado a noticiar um acordo de nível técnico, as instituições europeias prepararam-se para fazer um anúncio formal, sempre dependente do resultado das conversações de Theresa May com o seu recalcitrante conselho de ministros.

Por isso, não houve “nenhum comentário às informações que andam a circular” na habitual conferência de imprensa do meio-dia na Comissão Europeia; por isso, os 27 embaixadores europeus junto da UE saíram da reunião do Comité dos Representantes Permanentes (Coreper) dos Estados-membros da UE sem levar uma cópia em papel do documento. “Ainda há algumas questões em aberto”, comentava um dos diplomatas no fim do encontro, que decorreu em simultâneo com a reunião do conselho de ministros britânicos.

Ao mesmo tempo que em Londres os membros do Governo de Theresa May apreciavam a proposta que a primeira-ministra está preparada para defender na Câmara dos Comuns para assegurar a saída ordenada do seu país da UE, em Bruxelas os embaixadores eram informados por Sabine Weyand, a número dois da equipa de Michel Barnier, sobre as “soluções” encontradas para cumprir com o quadro de princípios políticos fixados para o divórcio.

Em causa estão os direitos dos cidadãos, as obrigações financeiras, os regulamentos sectoriais, a governação e resolução de diferendos, o período de transição, e a questão que durante meses bloqueou o consenso: evitar a reposição de fronteiras entre a República da Irlanda, que permanece na UE, e a Irlanda do Norte, de forma a preservar os termos do Acordo de Sexta-feira Santa que pôs fim a décadas de conflito sectário na ilha.

A solução para a Irlanda

Como explicou Michel Barnier mais tarde, a solução consagrada no acordo de saída representa “uma evolução considerável” da proposta original de Bruxelas para um “backstop”, isto é, uma cláusula de segurança para evitar a reposição da fronteira, que só será accionada se não houver uma solução definitiva, no âmbito do quadro da relação futura entre os dois blocos (isto é, um acordo de livre comércio entre o Reino Unido e a UE), lembrou Barnier.

Assim, em Julho de 2020 os dois lados farão uma avaliação dos progressos das negociações. Se estiverem ainda longe de um consenso, dispõem de duas hipóteses: podem prolongar o período de transição (por acordo mútuo e tempo limitado) até fechar o acordo, ou podem accionar o "backstop", que foi desenhado como uma área aduaneira comum entre o Reino Unido e a UE. Os bens provenientes do Reino Unido terão acesso livre, sem tarifas nem quotas, a esse espaço. O Governo britânico aplicará o código alfandegário da UE na Irlanda do Norte, que continuará alinhada com as regras do mercado único para que a fronteira com a República da Irlanda permaneça invisível.

A solução, vincou Michel Barnier, “protege a cooperação Norte/Sul e o Acordo de Sexta-feira Santa, preserva a integridade do mercado único e respeita a integridade territorial e a ordem constitucional do Reino Unido”. Mas o fundamental, acrescentou, é que nunca venha a ser aplicada: o objectivo continua a ser ter uma nova relação definida antes do fim do período de transição. “Estamos preparados para lançar essa negociação no dia seguinte ao ‘Brexit’”, declarou, prometendo que em Abril de 2019 o Reino Unido “continuará a ser nosso amigo, parceiro e aliado”.

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