Bruno de Carvalho, terrorista ou mártir?
É justificável a suspeita de que o Ministério Público pode estar a usar a acusação de terrorismo como um expediente.
“Considera-se grupo, organização ou associação terrorista todo o agrupamento de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a integridade e a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupos de pessoas ou a população em geral.”
É isto que diz a Lei n.º 52/2003, aprovada no seguimento dos ataques terroristas de 11 de Setembro. E, por mais que se leia, é difícil perceber como é que, a menos que isolemos a expressão “intimidar certas pessoas, grupos de pessoas”, ela se pode aplicar ao ataque da claque da claque Juve Leo ao centro de estágio de Alcochete e àquele que alegadamente poderá ser o seu mandante, o ex-presidente Bruno de Carvalho.
Mas essa expressão não é para ser lida isoladamente, fora do contexto da lei ou separada do espírito do legislador. Se assim fosse, qualquer ameaça de alguém contra alguém ou contra um grupo de pessoas era terrorismo e mesmo o mais distraído senso comum não consegue comportar tal abrangência.
É por isso justificável a suspeita de que o Ministério Público (MP) pode estar a usar a acusação de terrorismo como um expediente, já que esse enquadramento lhe permite poderes de actuação mais alargados, como prender pessoas à noite, em sua casa, ou fazer buscas depois das 21h como terá acontecido com Bruno de Carvalho.
Como um expediente, infelizmente cada vez mais vulgar, é a detenção de alguém para ser interrogado, mesmo que essa pessoa se tenha oferecido para prestar declarações. Se lhe acrescentarmos os directos televisivos, então o expediente toma contornos de um abjecto entendimento do exercício da lei como espectáculo para as massas.
Infelizmente, o aparelho judiciário tem uma marcada tendência para abusar das excepções, numa inclinação perigosa para a violação dos direitos e garantias dos cidadãos com que habitualmente procura esconder as falhas de investigações mal conduzidas ou preguiçosas.
Depois do desvario que foi o final da sua presidência no Sporting é difícil visionar Bruno de Carvalho como “mártir”, mas se o MP continuar com expedientes como este do “terrorismo” ele e os outros detidos bem podem acumular capital de queixa e nós não devíamos virar a cara. Só falta mesmo ouvir os interrogatórios num qualquer canal de televisão para percebermos que o MP é incapaz de aprender com os abusos.