Portugal é o único país onde a Uber deixa de poder avaliar passageiros
Lei que entra hoje em vigor proíbe motoristas e plataformas de avaliar utilizadores. Medida surgiu pela mão do PSD para evitar "uma restrição de acesso ao serviço"
A lei do transporte de passageiros em veículo descaracterizado a partir de plataforma electrónica (TVDE), que entra esta quinta-feira em vigor, traz várias mudanças consigo além da regulamentação propriamente dita deste novo negócio, como o fim da avaliação aos passageiros.
De acordo com o diploma, passa a ser “proibida a criação e utilização de mecanismos de avaliação de utilizadores por parte de motoristas de TVDE ou dos operadores de plataformas electrónicas”. A medida, introduzida pelo PSD quando a iniciativa legislativa do Governo estava a ser debatida no Parlamento, vem mudar a forma como a Uber e Taxify têm operado a nível nacional e mundial.
“Portugal será o único país, entre os mais de 65 países onde a Uber opera, que terá esta restrição”, afirmou ao PÚBLICO fonte oficial da empresa norte-americana. Por parte da Taxify, o responsável pela operação no mercado nacional, David Silva, diz que a empresa utiliza este sistema em todos os países (29 ao todo) e que “Portugal será o único” onde terá de retirar essa funcionalidade.
“Esta medida permitiria defender os motoristas de serem expostos a um utilizador que se mostrou repetidamente conflituoso ou perigoso. Damos prioridade não só à qualidade do nosso serviço como às necessidades e bem-estar dos nossos motoristas”, acrescenta David Silva.
Os efeitos da avaliação
Por parte da Uber (Cabify e Chauffeur Privé dizem que não têm esta prática), esta defende que a avaliação mútua -- os passageiros continuam a poder avaliar os motoristas – existe “em todas as plataformas que juntam prestadores de serviços e utilizadores, independentemente da área de negócio em que actuam”, como no caso do alojamento.
Estes mecanismos, realça a Uber, “são muito eficazes para gerar confiança entre as partes, promovendo a existência de uma relação cordial e correcta entre os utilizadores destas plataformas”. De acordo com motoristas e responsáveis do sector ouvidos pelo PÚBLICO, na prática, quem tivesse uma avaliação baixa (o rating está disponível na aplicação do telemóvel) podia ter de esperar mais tempo em relação a outro passageiro com rating melhor, ou, em última instância não ser transportado se as avaliações tivessem sido feitas repetidamente com o nível mais baixo -- uma estrela --, e com justificações gravosas (como ameaças físicas).
Sendo normalmente recomendado que se dê cincos estrelas aos passageiros, as avaliações (referenciadas como confidenciais nos dois sentidos) podem ser mais um pouco mais baixas caso haja situações como fazer esperar demasiado tempo em zonas de difícil paragem, bater com a porta usando força excessiva e de propósito, comer dentro do veículo ou vomitar (em estado alcoolizado). Além de um painel com respostas tipificadas, pede-se um comentário com mais detalhes no caso de a avaliação ser de três, duas ou uma estrela.
De acordo com um motorista ouvido pelo PÚBLICO, o sistema de avaliação é algo que dá “mais segurança” a quem conduz, embora um outro motorista não tenha dado grande importância ao fim desta medida, embora acrescentando que nunca tinha tido problemas com passageiros.
No caso da Chaffeur Privé, o responsável pela operação em Portugal, Sérgio Pereira, apesar de não avaliar os passageiros, diz que a empresa aconselha sempre os motoristas a reportar “alguma situação mais extrema e inadequada” por parte de utilizadores para depois de “avaliar a situação”. “Acima de tudo respeitamos a privacidade dos utilizadores e não nos compete avaliar o seu comportamento”, refere.
Ao PÚBLICO, o deputado do PSD Emídio Guerreiro explicou que a ideia do sociais-democratas por detrás da proibição é “impedir a existência de mecanismos que permitam às plataformas ou motoristas fazer uma restrição de acesso ao serviço por parte dos utilizadores”, porque “ambos estão sujeitos a regras de não discriminação”. O deputado remete depois para o artigo da lei onde se estipula que “os utilizadores, efectivos e potenciais, têm igualdade de acesso aos serviços de TVDE, não podendo os mesmos ser recusados pelo prestador” com base razões diversas, como ascendência, idade, sexo, orientação sexual ou situação económica.
Por outro lado, o diploma refere que podem ser recusados serviços solicitados “por pessoas com comportamento suspeito de perigosidade” e que “impliquem a circulação em vias manifestamente intransitáveis pelo difícil acesso ou em locais que ofereçam notório perigo para a segurança do veículo, dos passageiros ou do motorista”.
Apesar de a lei entrar hoje em vigor (a cimeira tecnológica Websummit, em Lisboa, será o primeiro grande evento já com estes veículos regulamentados), o diploma prevê um período de adaptação de 60 dias para as plataformas e de 120 dias para motoristas e operadores de transporte cumprirem regras. Nesse sentido, o fim da avaliação tem de acontecer até ao dia 1 Janeiro, com as plataformas a garantirem que vão cumprir com o que a lei estipula.
Preço fixo a caminho
Uma outra novidade da lei é o facto de, além da estimativa do valor a pagar (definido no final de acordo com a distância e tempo) que já existia, a plataforma electrónica ter de “disponibilizar para qualquer itinerário, em alternativa, uma proposta de preço fixo pré-determinado”. Se o cliente aceitar esta modalidade, esse será o valor a pagar, “independentemente da distância percorrida ou do tempo despendido”.
No caso da Taxify, a empresa diz que já fez uma actualização em Setembro, a partir da qual “os utilizadores podem ver o valor fixo que irão gastar antes de iniciar a viagem para o destino escolhido, ao contrário de uma estimativa de valores que deixou de existir”. Disponível nas viagens em Lisboa, a plataforma fundada na Estónia diz que estará disponível “para todos os utilizadores” até à data limite para cumprir com a lei.
Por parte da Uber, a empresa, que diz ter hoje a adesão de “mais de 6500 motoristas” espalhados por mais de 50 concelhos, afirma apenas que irá cumprir com a lei, neste caso ou nos outros (como na tarifa dinâmica).
Já a Cabify (criada em Espanha) diz que “muito em breve” irá ter uma nova funcionalidade ligada ao preço fixo, enquanto a francesa Chaffeur Privé diz que a empresa sempre praticou “um valor fixo e invariável”.
Tarifa dinâmica controlada
A lei vem também colocar um tecto na tarifa dinâmica (que sobe com justificação de aumento de procura) ao estipular que “não pode ser superior ao valor decorrente da aplicação de um factor de majoração de 100% ao valor médio do preço cobrado pelos serviços prestados nas 72 horas imediatamente anteriores por esse operador”. Assim, o valor em questão só poderá, no máximo, ser multiplicado por dois, um tecto inferior ao que já foi diversas vezes praticado.
Neste momento a tarifa dinâmica é usada pela Uber, Chaffeur Privé e Cabify (com esta última a afirmar que já cumpre o estabelecido pela nova lei), mas também poderá vir a ser aplicada pela Tafixy. “Não temos tarifa dinâmica para já. No entanto, caso seja implementada no futuro, já temos a configuração de poder aplicar o limite definido pela lei”, diz o responsável pela operação em Portugal, David Silva.
Por parte das plataformas, que ao abrigo da nova lei terão de pagar ao Estado uma contribuição de 5% do valor cobrado aos operadores de transporte, há ainda aspectos por clarificar, e implementar. No caso da Taxify, David Silva diz que a empresa está a tentar esclarecer com as entidades reguladoras como é que será feito “o controlo do tempo de actividade do motorista, que terá de ser feito em todas as plataformas em simultâneo”.
Dez horas ao volante
Além de estipular que que tem de haver um controlo escrito “que titule a relação [laboral] entre as partes”, ou seja, entre o motorista e o operador de TVDE, a lei afirma que quem conduz não pode trabalhar mais de dez horas num período de 24 horas (e não dez horas ligado à plataforma, em que conta só se estiver com cliente ou a caminho de um pedido). Uma vez que é comum um motorista operar com mais do que uma aplicação (da Uber e da Taxify, por exemplo), ficou clarificado que a regra das dez horas aplica-se “independentemente do número de plataformas nas quais o motorista preste serviços”.
Em resposta ao PÚBLICO sobre a fiscalização das dez horas de trabalho, fonte oficial do Ministério do Ambiente e Transição Energética (MATE) explicou que a cada motorista é atribuído um número único, transversal às plataformas e que é com base nesse número “que as empresas vão controlar a carga horária de cada prestador, independentemente do número de plataformas onde esteja registado”.
A fiscalização, diz o MATE, caberá à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes e ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, responsáveis pelo cálculo e critérios a aplicar no controlo da carga horária máxima de 10 horas dos motoristas. A aplicação de coimas e sanções acessórias caberá apenas ao IMT.
Formação de 50 horas
Com a lei em vigor, as plataformas e os responsáveis pelos veículos (pessoas colectivas) vão poder solicitar a sua licença de operador, enquanto aos condutores cabe frequentar um curso de formação rodoviária, o qual dá depois direito a um certificado de motorista emitido pelo IMT.
Esta quarta-feira, através de uma portaria do MATE, ficou confirmado que os motoristas de TVDE terão de frequentar uma formação de 50 horas para obter o certificado (inferior às 125 horas actualmente requeridas aos taxistas).
Com componentes teóricas e práticas, parte da formação pode ser feita à distância, contendo módulos como comunicação e relações interpessoais, técnicas de condução, situações de emergência e primeiros socorros e regulamentação da actividade.