Portugal ratifica regra dos votos deitados ao lixo nas eleições europeias mas não a aplica

Conselho da União Europeia quer que todos os países adoptem a cláusula-barreira nas eleições de Maio

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Jean-Claude Juncker discursa perante os deputados do Parlamento Europeu Reuters/VINCENT KESSLER

O Parlamento português ratificou na última sexta-feira as alterações ao sistema eleitoral para o Parlamento Europeu, mas não as vai cumprir. Confuso? É que uma delas conflitua com a Constituição da República Portuguesa. Trata-se da criação de uma cláusula barreira, ou seja, um limite mínimo de votos abaixo do qual os boletins nada valem, ou seja, não são tidos em conta para o apuramento de mandatos dos deputados.

A Constituição portuguesa é, desde 1976, clara a este respeito: nenhum voto pode ser desperdiçado. "A lei não pode estabelecer limites à conversão dos votos em mandatos por exigência de uma percentagem de votos nacional mínima", lê-se no número 1 do artigo 152.º (Representação política) da Lei Fundamental. 

No entanto, pela Europa fora, há vários países que adoptam esta regra da cláusula-barreira nas suas eleições. E há ainda uns que já a tiveram e deixaram de a ter, como é o caso da Alemanha. A existência deste patamar mínimo limita a possibilidade de os pequenos partidos terem representação parlamentar. Mas o receio do aumento de partidos extremistas poderá ter estado na base da vontade do Conselho da União Europeia para alargar esta regra. 

No Parlamento português, a proposta de resolução apresentada pelo Governo para ratificar as alterações ao acto eleitoral para o Parlamento Europeu, mereceu o voto favorável do PSD e PS. CDS, PCP e BE votaram contra e alertam para os perigos. "Para nós, todos os votos contam. Há métodos proporcionais. Não há votos de primeira e de segunda. Isto [a cláusula-barreira] serve para que a extrema-direita coloque em causa o sistema eleitoral e com isso tente retirar alguns ganhos. É por falta de as ideias estarem representadas que às vezes conseguem medrar nas sociedades", defende o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, ao PÚBLICO, acrescentando: "Portugal devia ter dito que não".

Nas novas regras, é sugerido que "os Estados-membros que utilizam o sistema de listas estabelecem um limiar mínimo para a atribuição de mandatos nos círculos eleitorais com mais de 35 eurodeputados. Este limiar não pode ser inferior a 2% nem superior a 5% dos votos válidos expressos no círculo eleitoral em causa, inclusivamente nos Estados-membros com um único círculo eleitoral". E só se aplica a países que elejam mais de 35 lugares, o que não é o caso de Portugal.

O deputado do PCP, António Filipe, lembra que "não é por acaso que a Constituição proíbe" a cláusula-barreira. "A questão de fundo é que as instituições europeias não têm de interferir na forma de cada país apurar os mandatos. Querem forçar uma europeização artificial", alerta em declarações ao PÚBLICO, referindo ainda o "absurdo" de outra regra que Portugal ratificou mas que não aplicará por entrar em confronto com outra leis portuguesas: a possibilidade de, nos boletins de voto, os partidos aparecerem com o símbolo do partido europeu a que pertencem. Em Portugal, a lei é muito rigorosa no que diz respeito a símbolos e por isso até obrigou há alguns anos a CDU (coligação pela qual o PCP concorre nas autárquicas, juntamente com o Partido Ecologista Os Verdes) a abandonar o tradicional símbolo dos três favos de mel.

O Governo português apresentou uma declaração unilateral junto do Conselho da União Europeia a lembrar que a Constituição "não permitirá a aplicação de uma cláusula-barreira". 

O CDS, contudo, também não se conforma. "As leis eleitorais são matérias dos Estados-membros, previstas nas suas constituições. Não podem nem devem ser impostas por Bruxelas. Uma coisa é sugerir maior coordenação para garantir eficácia nas eleições e maior participação eleitoral, outra totalmente diferente é impor regras contra a Constituição", afirmou ao PÚBLICO o deputado Luís Pedro Mota Soares.

Notícia actualizada com declarações de Mota Soares e correcção do sentido de voto do CDS

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