Malcriado: a malagueta que quer “dar pica a Portugal”

Semearam e agora sentam-se horas e horas a apanhar malaguetas. Andavam à procura de um molho picante — ainda andam —, mas inventaram um doce com bolinha no canto superior direito.

João Rebelo, Joana Lopes e o Malcriado
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João Rebelo, Joana Lopes e o Malcriado André Rodrigues
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André Rodrigues

“Há aqui um talho que vende imenso” e “vai bem com carne” não são frases que associemos a doces ou compotas. O ingrediente principal é tudo menos pacífico, o nome do projecto é uma provocação e a “missão” traduz muito da sua filosofia. O doce de malagueta Malcriado quer “dar pica a Portugal”.

Malagueta. Estamos todos a falar da mesma coisa. Substantivo feminino: “Arbusto da família das solanáceas, que produz como fruto um pimento de formato oblongo”. “As pessoas continuam a ficar surpreendidas por ser doce”, diz João Rebelo, 31 anos. “À partida, não faz sentido”, palavra de Joana Lopes, também 31. “Já vimos imensos doces de outras coisas com malagueta, doce de abóbora com malagueta... doce de morango com malagueta... mas faltava alguma audácia. A maioria das pessoas não pensa num doce com um bife ou com um hambúrguer. O Malcriado não é para o pequeno-almoço. O Malcriado é para ser comido com uma carne forte.”

O Malcriado, dizem os seus inventores, “é um assalto aos sentidos, são duas chapadas na cara e um pontapé no rabo a cada garfada”. O Malcriado é, no limite, uma personagem com uma história.

Eu nasci no país do vinho. O meu pai faz vinho como o meu avô fazia. Os meus tios, os amigos e até o meu vizinho, todos eles fazem vinho. Mas desde que eu sou pequeno e pus de lado as chupetas, que eu sonhava em crescer para plantar malaguetas. E quando o dia chegou em que eu tive que fazer vinho, nunca me entusiasmou nem achei interessante. Mesmo sem ninguém saber, segui a sonhar sozinho que ainda, um dia qualquer, eu ia fazer picante. Por entre as vinhas plantei essa planta proibida, e em noites de lua cheia, mesmo antes da vindima, eu saía pela janela, e ia colher a mais bela da malagueta escondida. Pus-lhe sal e a aguardente, que o meu pai tinha no lagar, e guardei tudo num barril dos que ninguém ia usar. E assim um ano passou, sem ninguém desconfiar que eu estava a fazer o picante, que me atrevi a sonhar. Um dia meu pai lembrou-se, talvez por curiosidade, de provar daquele barril, por tanto tempo ignorado, e mesmo comigo ao lado, pôs o dedo na torneira, eu permaneci calado, ele provou desconfiado:
— F******! C******! Disse.
— O que é isto aqui guardado.
— Não tinha nome, meu pai. Mas agora é Malcriado!
"

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Vila Real. A Fugas foi recebida na Lateral, agência de criativos onde tudo aconteceu há mais ou menos cinco anos, entre quatro amigos e um terreno. Ninguém percebia nada de agricultura, de doces ou de malaguetas. Foi uma “ideia maluca”, recorda Joana. Semearam malaguetas. Andavam à procura de um molho picante — ainda andam. “Entretidos”, o Daniel, de Borbela, e a mãe, “que fazia compotas”, fizeram “um doce num frasquinho”. “Ainda não tínhamos o molho e já tínhamos o doce”, recorda João, que começou “a dar uma de agricultor ao fim do dia”.

Tentaram “não sei quantas espécies” e escolheram a malagueta Caiena e a malagueta Portuguesa. Joana e João falam de “quatro mil pés”. “Mesmo pedindo a amigos para apanhar malaguetas, não conseguimos apanhar tudo”, assume Joana. “Produzimos mais do que podemos apanhar. Uma pessoa senta-se ali uma hora a apanhar malaguetas”, completa João, lembrando que se trata de um fruto “muito produtivo”, principalmente no primeiro ano. “Podemos passar o Inverno a colher até a primeira geada”, explica. Por isso, e por haver um excedente e muita “polpa para trabalhar”, a colheita é feita de dois em dois anos. Também porque estamos a falar de um projecto “pequenino”. “É um hobby auto-sustentável que não desenvolvemos a tempo inteiro, mas que vamos desenvolvendo ao longo do tempo”, dizem.

Depois de colhida, a malagueta fresca é imediatamente triturada e conservada em aguardente vínica, 77 graus de volume de álcool, “a mesma que é usada no Vinho do Porto — o produto final não tem álcool. “E fica a envelhecer”, dizem os polivalentes João e Joana, responsáveis pela produção, transformação, marketing e vendas do Malcriado, com uma medalha Novas Ideias Acredita Portugal e um plano de lançar no mercado o sal picante, já na forja.

Tradicional q.b., o Malcriado é confeccionado com a ajuda de uma cozinha doméstica devidamente licenciada e uma panela. “A coisa mais industrializada que temos é uma varinha mágica de cantina e uma máquina que mandámos vir da China que nos permite encher os frascos um a um sem sujar tudo e com as doses correctas”, explica João Rebelo. Às tantas, e depois de colocado no preparado “o truque” (que é retirado no fim da receita), a malagueta é cozinhada “muito, muito lentamente” até atingir o ponto de açúcar. O Malcriado, pode ler-se no frasquinho de 65ml (cinco euros), “é ideal para acompanhar com queijos e enchidos, utilizar em refogados para arroz malandro de tomate ou marisco, tempero de carnes, acompanhamento de pizzas, pastas, hambúrgueres, francesinhas, camarão e dar uso à imaginação.”

“O meu pai já comeu com pão-de-ló e Queijo da Serra”, brinca Joana. “À colher era terrível”, diz, muito a sério, João. O Malcriado é bom para picar entre amigos.

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