Se um Bolsonaro conquista muita gente, quatro conquistam muito mais
Não foi só Jair Bolsonaro, candidato favorito à vitória nas presidenciais brasileiras do próximo domingo, que saiu das franjas para ameaçar dominar a política brasileira. Os seus filhos foram também catapultados à boleia do fenómeno do pai. O clã Bolsonaro está perto de se tornar o mais poderoso do Brasil.
O apelido Bolsonaro saiu das franjas da política brasileira. Jair, o candidato presidencial do Partido Social Liberal (PSL), está com um pé no Palácio do Planalto. Mas com ele emergiram também os seus filhos, que estão na política há alguns anos. Ao todo, os três Bolsonaros que foram à primeira volta das eleições brasileiras no dia 7 de Outubro arrecadaram 55,5 milhões de votos. Este clã deixou de ser politicamente periférico e está perto de se tornar o mais influente do Brasil.
Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro são nomes que se tornaram conhecidos no Brasil à boleia do pai, Jair, deputado federal há 27 anos. São muito poucas as diferenças entre as visões políticas, sociais e económicas deste quarteto. Se o patriarca chegar à presidência, o clã Bolsonaro vai estar espalhado um pouco por todas as esferas do poder. E o potencial Presidente contará com poderosos aliados.
O mais velho, Flávio, de 37 anos, era até aqui deputado no Rio e foi eleito para o senado. Carlos, de 35 anos, foi o único dos três que não foi a votos este ano, tendo sido eleito para o quinto mandato como vereador do Rio em 2016. Eduardo, de 34 anos, foi reeleito deputado federal na primeira volta com um recorde de votos a nível nacional. À semelhança do pai, todos têm um historial de polémicas.
Poder de pai para filho
As dinastias políticas não são novas no Brasil. Por exemplo, nas eleições de 2014, segundo um estudo da organização independente Transparência Brasil, 49% dos 523 deputados federais eleitos tinham relações familiares como outros políticos. Mais concretamente, entre os deputados com menos de 35 anos, supostamente a faixa etária que representaria uma renovação, 85% eram familiares de políticos.
Na primeira volta das eleições deste ano, até houve um crescimento na chamada “bancada de parentes”. De acordo com os dados do órgão de assessoria parlamentar, o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, em 2014, eram 113 os deputados e senadores com parentesco político. Neste momento, o número é de 138.
As raízes desta tradição do chamado “poder de pai para filho” remontam, segundo alguns especialistas, à colonização portuguesa do Brasil. Foi a partir daqui que as famílias mais poderosas começaram a dominar as lideranças políticas e sociais no Brasil. A administração territorial da então colónia portuguesa foi feita através do sistema capitanias que eram hereditárias, no qual o território brasileiro era distribuído pelos chamados “capitães donatários”, que eram nobres, grandes proprietários e pessoas próximas à coroa. Estes passavam a administrar grandes extensões de território que iam sendo, depois, transmitidas de pai para filho.
Já depois da instauração da Primeira República, estas dinastias familiares alinharam-se de forma mais latente com o poder político, formando o fenómeno conhecido como “coronelismo”, que designa o controlo da política por parte de um pequeno grupo de privilegiados.
Há outros especialistas, no entanto, que destacam o facto de as dinastias políticas serem normais em vários países, principalmente na América Latina (os Kirchner na Argentina ou os Fujimori no Peru) e nos Estados Unidos (como as famílias Kennedy, Bush ou Clinton).
Danielle Cunha, filha do antigo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que se encontra preso no âmbito da Lava-Jato, candidatou-se a deputada federal mas não foi eleita; Fernando James, filho do ex-Presidente Fernando Collor de Melo, também entrou nas eleições mas não conseguiu ser eleito deputado; Marcelo Crivella Filho, cujo pai, também Marcelo, é o actual presidente da Câmara do Rio de Janeiro, também não teve sucesso na sua candidatura ao cargo de deputado. Estes são apenas alguns exemplos de herdeiros políticos que, com maior ou menor sucesso, se apresentaram a estas eleições.
Os nomes que já sejam de alguma forma familiares aos eleitores brasileiros tendem a ser beneficiados em eleições onde estão em competição milhares de candidatos para vários cargos. Com a ascensão do “fenómeno” Jair Bolsonaro, os seus filhos conseguiram ser catapultados.
Flávio, o mais velho
“É irmão do deputado federal Eduardo Bolsonaro e do vereador Carlos Bolsonaro, com os quais comunga os ideais e os valores apreendidos de seu pai, deputado federal Jair Bolsonaro, resumidamente representados pela defesa da família; dos valores cristãos; do valor e importância do trabalho e do mérito como mais justos critérios de progresso social e distribuição de renda; da ética; e do direito à propriedade e à posse e porte de armas por cidadãos cumpridores das leis.” É assim que Flávio é descrito no seu site.
Flávio Bolsonaro entrou na política em 2003, quando foi eleito deputado estadual no Rio de Janeiro, cargo que ocupou até ao dia 7 de Outubro deste ano. Foi eleito à primeira volta para o Senado brasileiro, tendo sido o candidato mais votado do estado carioca. Em 2016, ainda tentou subir mais uns degraus candidatando-se pelo PSL à Câmara do Rio, mas ficou num modesto 4.º lugar.
No lançamento da campanha autárquica, Flávio já expunha as bases que sustentam o discurso político do clã: “A nossa candidatura é de protesto contra tudo o que está aí. Governar é eleger prioridades. E o grande ponto de interrogação é o que vai ser o Rio de Janeiro depois das Olimpíadas. Somente uma pessoa independente, de fora desse esquema corrupto da velha política, é que vai ter a liberdade de fazer as verdadeiras mudanças”, disse, na altura, no evento que contou com a presença do pai.
No prazo de dois anos, Flávio passou de pouco mais de 420 mil votos no eleitorado carioca para mais de quatro milhões, representando também o crescimento “bolsonarista” nos últimos tempos.
Caracterizado igualmente pelo radicalismo no discurso, o filho mais velho de Jair foi acumulando polémicas ao longo da carreira política. A última das quais no início de Outubro, ao defender os seus dois colegas de partido que destruíram, no Rio de Janeiro, uma placa que homenageava a vereadora do PSOL, Marielle Franco, que foi assassinada este ano.
“O PSOL acha que está acima da lei e pode mudar nome de rua. Eles só tiraram a placa que estava lá ilegalmente. Se o PSOL quer homenagear a Marielle, apresente um projecto de lei, proposta na prefeitura, para pôr a placa, mas não pode cometer um acto ilegal como esse”, disse.
Ao longo do seu trajecto político, teve como principais bandeiras a redução da maioridade penal ou o livre acesso às armas por parte da população. Ele próprio esteve, em 2016, envolvido num tiroteio juntamente com o seu segurança, contra dois homens que tentavam roubar um carro no Rio de Janeiro. Um dos assaltantes ficou ferido e o outro conseguiu fugir.
Numa entrevista ao portal da Globo, G1, em 2016, defendeu também a militarização das escolas mais indisciplinadas: “Um dos maiores problemas da educação é a indisciplina, então eu vou buscar o governo do estado para ver onde é possível fazer parcerias para militarizar algumas escolas.”
É também a favor da pena de morte e um defensor da ditadura militar brasileira. “Naquele tempo havia segurança, saúde, educação de qualidade, respeito. Hoje em dia a pessoa tem direito a quê? A votar. E ainda vota mal”, dizia em 2011, numa entrevista ao Estadão, reproduzindo quase ipsis verbis o que defende o pai.
As declarações sobre homossexuais também não fogem muito àquilo que já foi dito por Jair, tendo afirmando que duvida de que “algum pai tenha orgulho em ter um filho gay”.
Durante a campanha presidencial deste ano, teve direito a ainda mais protagonismo, pois foi cabeça de cartaz em vários comícios e serviu de porta-voz do pai, juntamente com o irmão Eduardo, depois de Jair ter sido esfaqueado e ter estado várias semanas internado.
Eduardo, o pitbull da família
Há poucas diferenças nos discursos dos Bolsonaros. Aquilo que é defendido por Flávio e Jair também o é por Eduardo, de 35 anos.
Foi reeleito nestas eleições como deputado federal por São Paulo, tendo sido o deputado mais votado de sempre no país, conquistando quase dois milhões de votos. Foi eleito pela primeira vez para a Câmara dos Deputados em 2014, com mais de 80 mil votos, tendo sido colega do pai desde então. A sua votação este ano no estado paulista foi 22,5 vezes maior.
Nas funções de deputado, apresentou várias propostas de projectos de lei, tais como elevar o piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna, a estatuto de herói nacional ou a proibição do comunismo. Ao todo, apresentou 37 projectos de lei e duas propostas de emendas à Constituição, sendo um terço destas feito em co-autoria com o pai. Conseguiu aprovar uma.
Sendo também polícia federal, Eduardo ganhou destaque em 2014 por ter aparecido numa manifestação de apoio à destituição da Presidente Dilma Rousseff armado com uma pistola. “O que quer que eu faça? Eu sou policial 24 horas por dia, não deixo de ser para ir a um protesto discursar”, justificou ao El País Brasil.
Também teve voz na campanha presidencial depois da facada sofrida pelo pai. A revista Isto É descreveu-o como o “pitbull da família Bolsonaro”: “Enquanto o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, trabalha para amenizar seu discurso, procurando ampliar seu eleitorado, seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro, faz o caminho contrário: radicaliza as suas palavras como forma de manter a parcela cativa de extrema-direita que os garantiu no jogo da sucessão, pelo menos até aqui.” Ou seja, uma estratégia do género “polícia bom, polícia mau”.
Eduardo publicou no seu Instagram uma fotografia com Steve Bannon, antigo conselheiro do Presidente norte-americano, Donald Trump, e estratega político que tem tentando catapultar os movimentos populistas e de extrema-direita na Europa. “Sr. Bannon afirmou ser um entusiasta da campanha de Jair Bolsonaro e certamente estamos em contacto para somar forças, principalmente contra o marxismo cultural”, escreveu em Agosto a acompanhar a imagem. Mais tarde, Jair negou que Bannon o estivesse a ajudar na campanha.
O vereador mais novo de sempre
Aos 34 anos, Carlos Bolsonaro está no seu quinto mandato como vereador do Rio de Janeiro. Foi reeleito para o cargo nas eleições locais de 2016, pelo que não entrou nas deste ano. Conta também no seu currículo com um recorde: ao ter sido eleito pela primeira vez em 2000, com 17 anos, tornou-se o vereador mais novo de sempre no Rio.
Nessas primeiras eleições venceu a própria mãe, Rogéria, primeira mulher de Jair. Segundo foi noticiado, foi o próprio patriarca que lançou o filho para concorrer contra a mãe, depois de um divórcio litigioso. “Nas questões polémicas, ela deveria falar comigo para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. Eu elegi-a. Ela tinha de seguir as minhas ideias. Acho que sempre fui muito paciente, mas ela não soube respeitar o poder e a liberdade que lhe dei”, explicava na altura o agora candidato presidencial. Na campanha deste ano, Rogéria utilizou as redes sociais para defender e apoiar o ex-marido.
Jair foi ainda casado com Ana Cristina Valle, com quem teve o seu quarto filho, Renan. Este, com 19 anos, está a estudar Direito e já admitiu gostar de política e de querer seguir as pisadas do pai. Durante a campanha, criou uma página de Facebook para promover Jair. “Filho de Jair Messias Bolsonaro. De direita, estudante de Direito e parte do futuro da nação. Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.”
Do seu terceiro casamento, com Michelle de Paula Firmo Reinaldo, Jair teve a única filha, Laura, com sete anos. Durante a campanha, Jair falou em algumas ocasiões da sua única filha, tendo-se emocionado numa entrevista.
Mas, em 2017, ironizou com o facto de o seu quinto filho ter sido a primeira rapariga: “Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, aí no quinto eu dei uma fraquejada e veio uma mulher.”