Centros de saúde devem melhorar referenciação das patologias de coluna
Entre 2011 e 2016, quase 43 mil pessoas foram operadas à coluna nos hospitais públicos, a maioria em idade activa. As diferenças geográficas “são gritantes”, concluiu o primeiro estudo sobre cirurgia à coluna nos hospitais públicos.
A referenciação dos doentes com patologias de coluna das unidades de saúde familiar para as consultas de especialidade deve ser melhorada. Dizem-no os presidentes da Sociedade Portuguesa de Neurocirurgia e da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral que, com a Sociedade Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia, estudaram pela primeira vez o "Panorama das Cirurgias da Coluna no SNS" [Serviço Nacional de Saúde], entre 2011 e 2016.
O estudo das três sociedades de médicos que tratam cirurgicamente doenças da coluna é apresentado nesta terça-feira, Dia Mundial da Coluna, em Lisboa. Demonstra que a maioria (55%) dos 42.750 doentes operados à coluna nos hospitais públicos e parcerias público-privadas, em Portugal continental, entre 2011 e 2016 estava em idade activa; 54% são mulheres.
Denota ainda significativas diferenças geográficas: 46% dos doentes foram operados no Norte do país, 37% na região de Lisboa e Vale do Tejo, 15% no Centro e apenas 2% nos hospitais do Alentejo e Algarve.
"Há disparidades regionais gritantes", diz Manuel Tavares de Matos, presidente da Sociedade Portuguesa de Patologia da Coluna Vertebral (SPPCV). Entre elas, o facto da taxa padronizada de discectomias – cirurgias habitualmente feitas para tratar hérnias discais – por 100 mil habitantes ser de 30,17% em Braga e 8,4% em Faro. Situações como esta repetem-se nos restantes cinco grupos que agrupam as cirurgias de coluna: descompressão, artrodese, artroplastia, fixações dinâmicas e vertebroplastia e cifoplastia.
Centros de saúde e tempos de espera
As explicações para estas disparidades regionais carecem de estudo. Com base na experiência, os autores apontam algumas hipóteses. Uma será a maior incidência dos acidentes de trabalho na região Norte, que historicamente tem a maior quota de sinistralidade laboral, dado que o trabalho na indústria é causa comum de hérnias discais agudas. Os diferentes níveis de acesso aos cuidados de saúde – justificado pela existência de poucos serviços com cirurgia da coluna no centro interior e sul do país – e as diferenças de disponibilidade de seguros de saúde para recorrer aos privados também podem explicar este retrato.
São também claras as falhas na referenciação dos cuidados primários para os hospitalares, considera Paulo Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Neurocirurgia (SPCN).
"Como médico hospitalar, tenho a percepção de que a referenciação não funciona bem. Há doentes que precisariam de ser referenciados e não são. Pelo contrário, há muitos doentes que são referenciados para consultas da especialidade sem indicação para tal. Isto entope os serviços e impede que possa ser dada uma resposta melhor a quem, na verdade, precisa dela", afirma o neurocirurgião do Hospital de São João e da CUF Porto, em ambos responsável pela unidade de coluna vertebral. É, para os presidentes da SPCN e da SPPCV, fundamental que especialistas e médicos de medicina geral e familiar partilhem percepções sobre as doenças de coluna e sejam criados protocolos de orientação e referenciação.
Claro que isto não se dissocia dos tempos de espera nos hospitais. “As consultas de especialidades cirúrgicas de neurologia e ortopedia estão completamente entupidas”, descreve Paulo Pereira. Os doentes são vistos “muitos meses” após a marcação. “Na maior parte dos doentes ou o problema já ficou resolvido porque as pessoas arranjaram uma alternativa ou acabaram por melhorar espontaneamente. A rentabilidade desta referenciação é baixa”, aponta.
Grande parte destes dados confirmou as percepções das sociedades médicas. Já era espectável que o Algarve tivesse uma taxa de cirurgia mais baixa nos hospitais públicos dada a disponibilidade de privados. No entanto, e mesmo tendo em conta que a prevalência dos tumores vertebrais é relativamente baixa, “há distritos [Bragança, Guarda, Portalegre, Beja] em que parece que não há tumores”, não há nenhum doente tratado, aponta Manual Tavares de Matos. Isto significa que ninguém foi encaminhado para consultas da especialidade por neoplasias. Pois mesmo tendo sido tratados num centro hospitalar fora do distrito, “seriam classificados como pertencendo ao distrito de origem”, explica o ortopedista do Hospital Lusíadas.
Há ainda diferenças entre o número de procedimentos dentro de um mesmo hospital. Por exemplo, Bragança tem uma taxa de 15% discectomias por 100 mil habitantes, 63% de artrodeses; Vila Real tem 18% de discectomias e 43% de artrodeses. “Isto também é difícil de perceber. Deve ser tudo mais simétrico. A não ser que haja centros em que os cirurgiões de coluna – que são normalmente poucos – estejam mais despertos para um determinado tipo de tratamento, favorecendo-o em relação ao outro”, sublinha o presidente da SPPCV.
Na maioria dos procedimentos analisados, o número de cirurgias manteve-se estável neste período. Destaque apenas para a diminuição das discectomias, o segundo procedimento mais comum (27% das cirurgias), a seguir às artrodeses (46%). Por outro lado, aumentaram as vertebroplastias e cifoplastias – técnicas usadas para tratar fracturas osteoporóticas e algumas fracturas relacionadas com tumores vertebrais –, em linha com as guidelines internacionais.
De facto, estas variações podem não significar alterações na incidência de determinadas patologias, mas reflectir um aumento do recurso a determinadas técnicas por parte dos médicos.