Peritos propõem financiamento dos hospitais em função dos resultados com os doentes
Projecto da associação de administradores hospitalares deu origem a dez recomendações para melhorar a eficácia do sistema. Há dois projectos-piloto que já estão a testar algumas delas.
A verba que cada hospital recebe do Estado deve reflectir não só os gastos directos com os doentes, mas também a necessidade que eles tiveram de ser reinternados nos 30 dias seguintes a terem tido alta. Bem como a frequência com que voltaram às urgências. E a avaliação que fizeram dos cuidados que receberam. As recomendações constam de um documento que será apresentado nesta quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
A iniciativa chama-se 3F — Financiamento Fórmula para o Futuro, é promovida pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) e contou com a contribuição de vários peritos ligados à saúde. No grupo estão nomes como o de Maria do Céu Machado, actual presidente do Infarmed, Eurico Reis, ex-presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, ou Francisco Ramos, presidente da administração do IPO de Lisboa. Correia de Campos, ex-ministro da saúde e actual presidente do Conselho Económico Social, foi um dos especialistas ouvidos.
O documento produzido no último ano defende um financiamento distribuído de forma mais justa, capaz de promover a equidade regional e o acesso à saúde, que valorize a experiência dos doentes. Além das recomendações, o projecto deu também origem a uma lista de 90 iniciativas que as unidades de saúde podem levar a cabo e que já serviram de mote a dois projectos-piloto que pretendem testar novas formas de financiamento e de melhorar a ligação entre todos os níveis de cuidados do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Um desses projectos é desenvolvido pelo IPO do Porto. Passa pela medição dos custos do tratamento do cancro do pulmão. Chama-se Farol. O objectivo, explica Alexandre Lourenço, presidente da APAH, vai além de conhecer os custos globais desta doença, e não apenas os custos com as cirurgias, por exemplo, ou os tratamentos. “Queremos saber os resultados obtidos, como foi a experiência do doente, a satisfação que sentiu com os profissionais e a instituição. O objectivo é criar uma modalidade de financiamento que valorize os resultados e a experiência do doente.”
O outro projecto-piloto, chamado Polaris, está a ser desenvolvido no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro. Neste caso, trata-se “de receber financiamento de acordo com a população servida, podendo haver transferência de e para outra unidade de saúde, se esse for o local certo para tratar aquele doente”, com a respectiva transferência do financiamento. O dinheiro deve seguir doente, é o que defendem os peritos.
“A forma de financiar com base na população obriga o hospital a trabalhar com a comunidade para procurar soluções para o doente”, salienta Alexandre Lourenço. Os resultados dos dois projectos serão conhecidos no próximo ano e, diz, serão tidos em consideração pela Administração Central do Sistema de Saúde para o financiamento dos hospitais em 2020.
Influenciar forças políticas
É a valorização do papel do cidadão que vem expresso em várias das recomendações dos peritos, ordenadas em dez tópicos: o reforço do papel dos cuidados de saúde primários; a interligação dos cuidados de saúde primários, cuidados de saúde secundários e cuidados continuados; o desenvolvimento de uma rede de suporte ao doente para o acompanhar, após a alta, com cuidados clínicos e sociais; a promoção do papel dos cidadãos no sistema de saúde; a garantia da ligação entre todos os sistemas de informação para que sirvam de suporte à gestão e à prática clínica; a medição de resultados como motor da melhoria dos cuidados prestados; a disponibilização de informação sobre o desempenho dos hospitais; a autonomia e responsabilização da gestão hospitalar; um novo modelo de alocação de recursos financeiros para a saúde e a restituição da confiança no sistema de saúde.
“São recomendações feitas para todo o universo do SNS, não só para o Governo. O nosso objectivo é influenciar todas as forças políticas. Queríamos dentro do sector da saúde encontrar caminhos para a alocação de recursos, para reduzir o desperdício e procurar novas formas de prestação de cuidados. Isso não é possível sem inovar”, explica Alexandre Lourenço.
Exemplos internacionais, como o holandês, com um atendimento “fora de horas” nos centros de saúde, ou o sueco, com a integração de registos nacionais obrigatórios, serviram de inspiração. “Actualmente o orçamento é alocado com base no histórico e não existe um racional de distribuição das verbas dentro da saúde. A forma como estamos a remunerar os hospitais é em função do volume (número de consultas, cirurgias, etc). Temos de encontrar uma forma nova de alocação mais justa, que promova a equidade regional e o acesso aos cuidados de saúde. Que seja um modelo que valorize a participação e a experiência dos utentes e as necessidades da população”, acrescenta.
Nesta quarta-feira, na Gulbenkian, será ainda dado a conhecer um inquérito, promovido pela APAH, à população portuguesa e que mostrou que a maioria dos portugueses (51%) defende que a sociedade deve ter um papel mais activo no que diz respeito à saúde.