No poliamor geringôncico, o BE é o menos amado
Deixou de existir qualquer vontade de fingir que, nesta solução de espécie de poliamor político, a cúpula governamental gosta dos seus dois parceiros da mesma maneira. Não gosta.
António Costa prefere negociar com o PCP em geral e também gosta mais de discutir com os comunistas as medidas do Orçamento do Estado em particular. O excelente clima com o PCP e a menor afeição do primeiro-ministro pelos bloquistas acontece desde os primeiros tempos da geringonça, mas durante algum tempo o pragmatismo de Costa obrigou-o a disfarçar, em público, os sentimentos. Agora, isso acabou. Deixou de existir qualquer vontade de fingir que, nesta solução de espécie de poliamor político, a cúpula governamental gosta dos seus dois parceiros da mesma maneira. Não gosta.
A disparidade de sentimentos – chamemos-lhe assim – ficou evidente esta semana quando o PCP fez uma conferência de imprensa a anunciar várias medidas do próximo Orçamento do Estado, depois de terem chegado a acordo com o Governo. É óbvio que os comunistas nunca teriam tomado essa iniciativa sem terem combinado previamente com António Costa. E esse facto foi um sinal inequívoco do tratamento privilegiado com que no último Orçamento da legislatura Costa decidiu brindar o PCP. O Bloco não gostou, naturalmente. No seu comentário habitual na SIC, Francisco Louçã deixou claríssima a "estranheza" com que tinha visto o anúncio das novas medidas pelo PCP "sem que a negociação estivesse concluída". Só ontem de madrugada o acordo com o Bloco ficou pronto.
Porque é que Costa gosta mais do PCP do que do Bloco de Esquerda? Há uma explicação simples que é repetida por toda a gente que negoceia com os comunistas – o carácter profundamente institucional do Partido Comunista, talvez o mais institucional e previsível de todos os partidos portugueses. Mas há uma outra questão que não vale a pena iludir: ainda que nas autárquicas os socialistas tenham "comido" uma parte substancial de câmaras que estavam sob domínio do PCP, a verdade é que no caso das eleições legislativas existe, tendencialmente, mais concorrência entre o PS e o Bloco de Esquerda do que entre socialistas e comunistas. E esse voto será imprescindível nas próximas eleições legislativas para António Costa obter o máximo de votação que lhe permita aproximar-se da maioria absoluta e dispensar o cansaço da negociação permanente. Esta também é uma justificação substancial para que o desamor do Governo para com o Bloco se intensifique nos próximos tempos.