Quinoa, o grão de ouro que se produz em Barcelos
Já foi mais um campo de milho. Hoje, e pelo terceiro ano consecutivo, no terreno em Negreiros cresce um superalimento.
Há algo de diferente na cozinha do restaurante O Cantinho D’Armanda. A própria Armanda vai alinhando os pratos, travessas e tachos à medida que na sua cabeça vai ganhando diferentes formas um novo ingrediente. Chama-se quinoa — e ainda não tem direito a estar na lista dos pratos do dia. “As pessoas não sabem se é um cereal ou um fruto. Muito menos conhecem os seus benefícios”, diz à Fugas a proprietária e cozinheira, justificando a falta de comparência na ementa e apesar de circunstancialmente a sua cozinha se transformar num laboratório.
“Uma chávena de quinoa para duas de água”, explica Armanda. “Não junto nem açúcar nem sal.” Bolinhas de alheira vegetariana com quinoa. Cogumelos estufados com quinoa. Empadão de peixe com quinoa. Pastelão de brócolos com quinoa. Crumble de maçã com aveia e quinoa. E quinoa doce “em vez do arroz doce”. Não é a grande festa da quinoa. É apenas um sinal de que a quinoa, uma planta originária dos Andes e cujo grão integra a lista dos superalimentos, está a ser cultivada cada vez mais perto de nós.
A alguns quilómetros de distância do Cantinho, em Negreiros, zona onde toda as pessoas parecem ser proprietárias de um campo de milho, já não há muitos segredos a esconder no terreno de 2,3 hectares, base do projecto Quinoa Portuguesa (QPT), o primeiro em Portugal a assumir toda a cadeia de valor neste produto, a organização desde a relação com os fornecedores e ciclos de produção e de venda até à base da distribuição final. “No início é tudo muito estranho”, recorda Filipe Carvalho, 32 anos, produtor de leite a tempo inteiro e responsável pela produção da Quinoa Portuguesa, no terceiro ano de produção (as primeiras experiências até foram feitas na Covilhã). “Havia muitas opiniões, mas ninguém sabia o que era.” A quinoa é o “cereal milagroso”, a “mãe de todos os cereais”, o “grão de ouro”. Os adjectivos vão todos ter à chenopodium quinoa, cereal que existe na Bolívia há mais de três mil anos — e em Portugal há sensivelmente três.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, recorda a QPT, a quinoa é uma das melhores fontes de proteína vegetal. “Popular entre os vegetarianos, os desportistas e entre todos os que defendem uma alimentação saudável, a quinoa é também uma fonte privilegiada de vitamina B1, B2, B6, B9, magnésio, fósforo, manganês, selénio, ferro, potássio, cobre e zinco. Para ser mais fácil entender os benefícios desta semente, cada 100g de Quinoa Portuguesa possui 15 gramas de proteínas, quantidade superior à encontrada na soja, no trigo, no arroz e na aveia”, explica a marca portuguesa, já com um lote de sete mil metros quadrados com certificação biológica — e quinoa portuguesa biológica nas bancas.
Em 2016, e num terreno de dois hectares que era utilizado para o cultivo de milho, foram plantadas 1800 sementes, sabendo de antemão que na germinação se iria registar uma perda de 20 a 30% essencialmente por culpa da dimensão reduzida da semente, do seu grau de pureza e de eventuais chuvas que podem soterrar a baga. Em 2018, o terceiro ano, a sementeira aconteceu a 12 de Maio e a colheita a 20 de Agosto. “Trabalhamos de uma forma cada vez mais sustentável”, assume o empreendedor (juntamente com Filipe Figueiredo, comercial de 32 anos, e Nuno Rodrigues, técnico agrícola com formação em engenharia do ambiente, 35 anos). “Olhamos pelo meio ambiente e temos cuidado em protegê-lo”, sublinha Filipe Carvalho. A equipa QPT não usa químicos nem pesticidas. “Não usamos nada”, remata. “Procuramos o equilíbrio do ecossistema.” Quando a plantação sofreu da praga dos piolhos foram importadas de Espanha 200 joaninhas e cinco mil crisopas. A “solução natural”, dizem os três empreendedores, terá que ser “sempre” a única solução, tendo em conta que pretendem obter a certificação biológica para toda a produção. Assim, também o primeiro “controlo das infestantes” é feito com recurso a sacha (mecânica e manual).
O terreno está agora em repouso e a equipa, aprendizagem contínua, já pensa em automatizar todo o processo, procurando aos poucos investir em algumas etapas que continuam entregues a terceiros, como por exemplo a lavagem do cereal e o seu embalamento. “Queremos trabalhar de uma forma mais segura e com meios próprios”, diz a propósito Filipe Figueiredo.
Tirando um ou outro workshop ou uma ou outra experiência na cozinha, a QPT não pretende colocar o avental. “Não estamos a pensar confeccionar. Mas queremos chegar à restauração e ao consumidor português”, assume. Um quilo de Quinoa Portuguesa é vendido por 8,95 euros.