Evidências na literatura científica sugerem que os animais domesticados possuem cérebros relativamente menores quando comparados com os dos animais selvagens. Isto poderia significar que os primeiros têm um menor número de neurónios e, consequentemente, seria possível justificar as diferenças significativas nas habilidades cognitivas. Mas, ao contrário do que se poderia pensar, os carnívoros maiores não possuem um número maior de neurónios. Um novo estudo publicado esta terça-feira, 12 de Dezembro, na revista Frontiers of Neuroanatomy, revela que os cães têm o maior número de neurónios, quando comparados com animais de maior tamanho e com os gatos, mas não o maior cérebro.
Se apenas agora se percebeu melhor a composição celular dos cérebros dos animais carnívoros, esta investigação já tinha antecedentes. Débora Jardim-Messeder, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Brasil, e principal autora do artigo, conta que uma das autoras do estudo, Suzana Herculano-Houzel, professora na Universidade de Vanderbilt (Estados Unidos), já tinha investigado o cérebro de diversas ordens de mamíferos. Portanto, já sabia que os primatas possuem uma maior densidade de neurónios que os mamíferos não-primatas. Faltava saber se os carnívoros, uma ordem com uma grande diversidade morfológica e ecológica, têm a mesma densidade neuronal que os mamíferos não-primatas. O principal objectivo deste estudo era “descobrir se toda essa diferença dentro de uma única ordem corresponderia também em diferenças no sistema nervoso central”.
E o que se observou agora? “Primeiro, concluímos que os carnívoros maiores não possuem um número maior de neurónios como esperávamos”, responde ao Pet Débora Jardim-Messeder.
A equipa de cientistas de universidades dos Estados Unidos, Brasil, Dinamarca e África do Sul descobriu que “ter um corpo enorme para suportar” é incompatível com a manutenção de um grande número de neurónios – unidades básicas de processamento da informação – localizados no córtex cerebral. “O urso pardo foi o maior carnívoro usado neste estudo e possui tantos neurónios no córtex quanto um gato (cerca de 250 milhões), embora tenha um cérebro dez vezes maior (315 gramas). Nós achávamos que (…) a dieta de grandes carnívoros seria energeticamente insuficiente para manter o corpo e o cérebro, dessa forma teríamos uma troca entre massa corporal e número de neurónios no córtex cerebral destas espécies de carnívoros”, explica a autora.
Além disso, Débora Jardim-Messeder destaca uma tendência similar no caso do leão, o segundo maior carnívoro estudado. “Embora o seu corpo fosse nove vezes maior e o seu cérebro duas vezes maior do que o de um golden retriever, o leão analisado tinha apenas cerca de 500 milhões de neurónios no córtex cerebral, menos do que o cão (e apenas um pouco mais do que um dos guaxinins).”
As diferenças nos cérebros de cães e gatos
Além da comparação entre o tamanho do animal e o número de neurónios, os investigadores compararam o cérebro de animais selvagens e de animais domesticados. Mas não encontraram diferenças na composição celular. “Os gatos e os cães, por exemplo, partilham a mesma relação entre massa do córtex cerebral (estrutura com várias funções, entre elas a capacidade cognitiva) e o número de neurónios de outros mamíferos não-primatas. Os dados sugerem que os cérebros dessas espécies domesticadas são constituídos da mesma forma que qualquer outra espécie não-primata”, refere a doutoranda.
E quais são as diferenças entre dois animais domésticos? “Especificamente no córtex cerebral, o gato possui 250 milhões de neurónios, enquanto os cães têm, em média, 528 milhões. Supondo que o número de neurónios nesta região do cérebro deve estar directamente associado a habilidades cognitivas, os nossos dados permitem concluir que os cães analisados podem ter uma cognição mais complexa e flexível do que os gatos”, afirma Débora Jardim-Messeder. O que, por si só, não é um indicador suficiente para comparar a inteligência destes animais. “Nós não estudamos os seus comportamentos, por isso não podemos (nem vamos) fazer declarações sobre o quão inteligentes eles são”, afirmou Suzana Herculano-Houzel, em declarações ao Huffington Post.
O estudo remete apenas para a relação entre “o número absoluto de neurónios no córtex cerebral” e as capacidades cognitivas de um animal. No entanto, a investigadora sublinha que “ambos os animais partilham a mesma relação entre massa cerebral e número de neurónios, ou seja, os gatos e os cães adicionam neurónios no cérebro de maneira similar”. “Assim, pode-se dizer que a diferença no número de neurónios entre gatos e cães se deve sobretudo a diferenças no tamanho do cérebro, o que sugere que provavelmente um cão com um tamanho cerebral similar ao de um gato teria tantos neurónios quanto o encontrado no gato doméstico.”
Entre todas as espécies de carnívoros estudadas (cães, gatos, ursos, leões, hienas, furões, fuinhas e guaxinins), percebeu-se que o cão da raça golden retriever ficou em primeiro lugar no que toca ao número de neurónios no córtex cerebral, com um total de 627 milhões, seguido pelo leão (545 milhões de neurónios), um dos guaxinins (512 milhões), a hiena (495 milhões), um cão mais pequeno de raça não especificada (429 milhões) e um segundo guaxinim (395 milhões). O próximo passo é “analisar diversas raças de cães e ver como o número de neurónios varia”, diz a investigadora.