Assédio no trabalho: “Quanto mais visível, mais casos é possível resolver”
Aplicar a lei contra o assédio sexual e moral no local de trabalho é urgente. “O efeito do assédio é demolidor”.
Um dos temas em foco nas denúncias de celebridades no contexto do movimento MeToo foram o assédio e violência sexual em contexto laboral. Em Portugal, tem havido mudanças nesta matéria, mas estas foram motivadas pelos passos que já estavam a ser dados há vários anos. Trazer o tema para o debate público ajuda a fazer valer leis como a do assédio laboral, aprovada no ano passado, mas ainda há um longo caminho para acabar com o silenciamento das vítimas.
“A nível dos sindicatos e a nível dos locais de trabalho e daquilo que nós ali falamos, não teve um eco muito grande”, diz Fátima Messias, coordenadora da comissão para a igualdade da CGTP. O movimento MeToo “traz um tema para a ordem do dia que não é novo, e que faz sempre suscitar mais discussões”, mas a nível da reflexão sobre as condições laborais não terá ido muito além de trocas de opiniões nas redes sociais. Até porque as denúncias por assédio moral são muito superiores às de assédio sexual — apesar de serem fenómenos muitas vezes associados —, mas reconhece que ainda é um problema silenciado pelos trabalhadores, que nem sempre reconhecem as situações.
A socióloga Anália Torres, uma das autoras do estudo Assédio Sexual e Moral no Local de Trabalho em Portugal, elaborado pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), da Universidade de Lisboa, salienta que, quando o MeToo aparece, ajuda a perceber a importância da questão do assédio do trabalho, mas essa era uma mudança que já estava em curso muito antes. A lei sobre o assédio laboral (sexual e moral) foi alterada no Verão do ano passado “com base de sustentação”, tendo como grande suporte a informação recolhida no estudo do CIEG, o que teve um peso muito grande para contornar visões mais resistentes a reconhecer o problema. E é a lei que, de facto, obriga à mudança. “Quando uma pessoa muda a lei mexe com a vida das pessoas”, aponta.
É preciso, claro, que a lei passe à prática, não como uma obrigação mas para criar “ambientes mais respeitadores”. A consciencialização dos trabalhadores para os seus direitos e a introdução de códigos de conduta são urgentes porque, relembra Anália Torres, “o efeito do assédio é demolidor”.
E “quanto mais for tornado visível, mais casos é possível resolver”, espera Fátima Messias. Recorda uma campanha nacional lançada há poucos anos a partir da qual “começaram a chegar múltiplos casos”. A sindicalista sublinha a importância de consciencializar os trabalhadores para reconhecerem o problema — mas o que conta para as pessoas estarem de facto protegidas é o manto da lei.
Além dos mecanismos previstos na lei e dos manuais produzidos nos últimos anos através de estudos sobre o tema — entre os quais o do CIEG, acessível no site da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) —, a secretaria de Estado para a Igualdade está a desenvolver com a Noruega um projecto bilateral de combate ao assédio sexual no local de trabalho, no âmbito do financiamento dos EEA Grants. Na sequência do MeToo, as autoridades norueguesas intensificaram o trabalho com a Inspecção do Trabalho e os parceiros sociais nesta matéria. Portugal também vai partilhar o que tem feito nesta matéria, num projecto que tem a participação da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), a CITE e a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP).