Igualdade de género e problemas das aplicações sérias de jogos

Não existem jogos para homens ou para mulheres, já para não falar de outras designações de género que se façam. O que existe são jogos para pessoas, de acordo com os seus gostos individuais, que permitem desenvolver aquilo que lhes dá prazer de forma colectiva, sem reprimir traços pessoais.

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Fernando Veludo/NFACTOS

Há quem diga que existem jogos para homens e para mulheres. Também na ludificação, as questões de igualdade de género são invocadas, sobretudo quando os jogos podem ser aplicados a quase tudo, tentando suavizar ou tornar mais divertidas um número infindável de tarefas ditas sérias. Mas só porque algo tem uma componente lúdica não significa que seja divertido e adequado para todos e em todas as circunstâncias.

Apesar do nome, a ludificação é uma coisa séria, pois as ferramentas que utiliza têm impactos consideráveis nas experiências dos utilizadores, podendo ser incrivelmente motivadoras ou, em certos casos, evitavelmente traumatizantes. Podem causar desconforto e até formas de pressão e humilhação social para algumas pessoas. Antes de pensarmos em levar umas quantas brincadeiras para as nossas actividades profissionais, há que estudar e reflectir. Há que testar com cuidado e sem soberba. Os estudos dos jogos, de ludificação, de gamificação e o jogo sério (serious gaming) não são brincadeiras nem uma moda efémera. São formas legítimas e eficazes, devidamente fundamentadas, de promover a produtividade, o envolvimento e a felicidade dos actores sociais em imensas actividades. Mas também podem ser o oposto de tudo isso, quando mal aplicadas.

Alguns dos desconfortos resultantes de certas actividades lúdicas relacionam-se com perfis individuais e as normas sociais vigentes, onde eventuais papéis de género podem ter influência. Existem jogos e dinâmicas que podem desconstruir esses estereótipos e agradar a quase todos, independentemente dos géneros e de como se assumem socialmente os indivíduos. Os jogos podem garantir ambientes controlados de sociabilização e desenvolvimento pessoal, sem exigirem, à partida, nada mais do que a vontade de participar na dinâmica. A escolha estratégica dos jogos defende, inclusivamente, quem seja mais reservado e integra igualmente os mais expansivos. Os jogos de tabuleiro modernos, cujo design tem permitido desenvolver competências cognitivas e sociais, sem outros pré-requisitos além da capacidade de raciocinar e comunicar, inserem-se nesses tipos de actividades lúdicas com potencial além do mero jogo informal. Estes jogos existem em tantas variedades que podem ser adaptados para qualquer grupo e respeitar às particularidades dos indivíduos. Podem servir para treinar e desenvolver soft skills em pé de igualdade, com o mínimo de limitações e condicionamentos à partida. Mas também podem servir para outros fins e competências, tais como o planeamento e pensamento estratégico.

Não existem jogos para homens ou para mulheres, já para não falar de outras designações de género que se façam. O que existe são jogos para pessoas, de acordo com os seus gostos individuais, que permitem desenvolver aquilo que lhes dá prazer de forma colectiva, sem reprimir traços pessoais. Num mesmo jogo é possível algumas pessoas apreciarem uns aspectos e outras, ou mesmo em simultâneo, desfrutarem de outros totalmente diferentes, tudo isso na mesma dinâmica lúdica. Dificilmente algo pode ser mais inclusivo.

Para aplicar jogos, incluindo os jogos de tabuleiro modernos, é necessária sensibilidade, conhecer bem os próprios jogos e ter uma forte consciência da influência dos perfis individuais e das dinâmicas sociais. O medo da confrontação pode impedir alguém de jogar, tal como a utilização de componentes do jogo que possam invocar fobias — armas por exemplo. Certos temas têm também efeitos imprevisíveis. Os jogos, como qualquer criação humana, não são perfeitos, longe disso, e muito menos a solução milagrosa para tudo. Por isso importa saber aplicá-los, com conta e medida, para que se aproveite o seu potencial, sem exageros. O risco de transformar essas dinâmicas em algo inútil, desagradável e um desperdício de tempo, espreita para lá daquilo que inicialmente se espera.

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