Um jesuíta português no laboratório da Madame Curie

António de Oliveira Pinto (1868 – 1933) passou uma temporada, entre o final de 1909 e início de 1910, no laboratório de Marie e Pierre Curie, onde se familiarizou com os equipamentos e técnicas mais recentes ligadas ao fenómeno da radioactividade.

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António de Oliveira Pinto no Gabinete de Física do Colégio de São Francisco, em Setúbal, em 1892 Arquivo da revista Brotéria

Uma das descobertas científicas mais aclamadas no final do século XIX foi, sem dúvida, a descoberta do fenómeno da radioactividade. Nessa época, foram inúmeros os cientistas que se dedicaram a estudar as propriedades físicas, químicas e terapêuticas do urânio, polónio e do rádio. Contudo, a história da radioactividade ficaria sobretudo marcada por duas personagens: Marie Sklodowska-Curie e Pierre Curie. Em reconhecimento pelos seus trabalhos pioneiros em torno do novo fenómeno, a Academia Real das Ciências da Suécia atribuiu em 1903 o Prémio Nobel da Física a Marie Curie, Pierre Curie e a Henri Becquerel.

Nos anos que se seguiram, a comunidade científica procurou promover a investigação e ensino da nova disciplina. Em 1905, dois anos após a atribuição do Nobel, organizou-se em Liège, na Bélgica, o primeiro congresso internacional de radiologia e ionização. Neste congresso, estiveram presentes cerca de 300 participantes, incluindo físicos distintos como Becquerel, Pierre Curie, Lord Kelvin, Lord Rayleigh, Ernest Rutherford e J. J. Thomson. Nestes anos, o interesse pela temática era tal que os governos de 15 países decidiram enviar delegações oficiais. Dos Estados Unidos a França, da Bélgica a Itália, do Luxemburgo a Espanha, da China à Turquia, e do México à Guatemala chegavam representantes oficiais à conferência de Liège.

Como o governo português não nomeou nenhuma delegação, a participação nacional ficou a dever-se exclusivamente a dois jesuítas que decidiram inscrever-se na conferência, o padre António de Oliveira Pinto (1868 – 1933) e um outro jesuíta que, na altura, se encontrava a estudar teologia em Inglaterra.

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António de Oliveira Pinto Arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus

Nascido na Covilhã a 30 de Janeiro de 1868, Oliveira Pinto entrou na Companhia de Jesus com 14 anos. Entre 1901 e 1910, foi professor de matemática, física, química e história natural no célebre Colégio de Campolide (1858 – 1910), em Lisboa. Aí promoveu o ensino experimental das ciências naturais, envolvendo os alunos na realização de experiências com telegrafia sem fios, descargas eléctricas de alta frequência e raios X.

Entre Dezembro de 1909 e Janeiro de 1910, quatro anos depois de ter assistido ao congresso de Liège, Oliveira Pinto passou uma temporada no laboratório de Marie e Pierre Curie, onde se familiarizou com os equipamentos e técnicas mais recentes. De regresso a Portugal, realizou o primeiro estudo metódico sobre a radioactividade das águas minerais portuguesas. Para as suas experiências serviu-se de dois electroscópios, que estavam então em Campolide, e de uma solução de brometo de rádio. Numa altura em que o acesso a fontes radioactivas era particularmente difícil, a obtenção desta solução no laboratório dos Curie foi fundamental.

Em Setembro de 1910, Oliveira Pinto viajou para Bruxelas para participar no segundo congresso internacional de radiologia e ionização. Tal como em 1905, o envolvimento da comunidade científica na conferência foi notável. Entre os cerca de 500 participantes, estiveram também presentes os físicos Marie Curie, William Rayleigh, William Ramsay, J. J. Thomson, Hendrik Lorenz, Svante Arrhenius, Henri Poincaré e Max Planck.

Em Bruxelas, o jesuíta apresentou o resultado das experiências que tinha conduzido entre Maio e Agosto de 1910 sobre a radioactividade das águas minerais das estações do Vidago, Pedras Salgadas, Moledo e Gerês, entre outras. Depois de ter salientado a importância terapêutica da radioactividade e de ter descrito detalhadamente a técnica utilizada, o jesuíta concluiu que as águas minerais analisadas não eram radioactivas.

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Primeira contribuição para o estudo da radioactividade das águas minerais de Portugal, 1910 Arquivo da Província Portuguesa da Companhia de Jesus

Para se compreender o alcance e novidade dos trabalhos de Oliveira Pinto, basta relembrar que, entre 1897 e 1915, os estudos sobre radioactividade na Universidade de Coimbra eram apenas teóricos. Em 1906, por exemplo, João Raposo de Magalhães não foi capaz de realizar as experiências que tinha previsto no seu estudo sobre “O rádio e a radioactividade” por causa da dificuldade em adquirir uma fonte radioactiva para o gabinete de física da Universidade de Coimbra. Esta situação só se alteraria em 1915, depois de Francisco de Sousa Nazareth ter passado pelo laboratório de Marie e Pierre Curie.

Oliveira Pinto foi um dos mais conceituados físicos da sua geração. Promotor do ensino experimental das ciências naturais e divulgador da ciência, foi ainda sócio de diversas academias e sociedades científicas nacionais e internacionais, entre as quais a Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais e a Societé Astronomique de France. Contudo, as suas contribuições para a história da física tiveram um fim inesperado. Pouco depois de regressar de Bruxelas, Oliveira Pinto e os seus companheiros jesuítas foram expulsos de Portugal. Na sequência da implantação da República, os colégios dos jesuítas foram encerrados, e as suas colecções, livros e instrumentos científicos perderam-se ou foram confiscados.

No exílio, Oliveira Pinto dedicou-se, sobretudo, a cargos de governo na Companhia de Jesus, tendo acabado por abandonar, progressivamente, as suas actividades científicas. Para a história da física, porém, será lembrado como o primeiro português que trabalhou no laboratório da Madame Curie.

Historiador de ciência

Esta série, às segundas-feiras, está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação

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