A dança dos planetas segundo Teodoro de Almeida
Contrariamente à grande maioria dos planetários mecânicos produzidos na época, o de Teodoro de Almeida não apresenta o plano do sistema solar na posição horizontal, mas antes o apresentava na posição vertical. Os planetas moviam-se no “mostrador”, substituindo os ponteiros de um relógio.
Um magnífico e invulgar planetário mecânico foi construído em 1796 no Arsenal do Exército, em Lisboa. Este dispositivo, dedicado ao príncipe regente, futuro Dom João VI, fora feito à semelhança de um relógio de caixa alta, simulando o movimento dos planetas através de um intrincado mecanismo de rodas dentadas. Era accionado por uma manivela lateral, cuja rotação completa equivalia a uma semana no movimento do sistema solar. Da sua complexa história só chegaram até nós uma gravura detalhada, a base em madeira, um opúsculo de 16 páginas e alguns manuscritos. No entanto, pela sua raridade e originalidade, esta é certamente uma peça de relevo do património científico português.
O autor do instrumento foi o padre oratoriano Teodoro de Almeida (1722-1804) também filósofo natural e uma importante figura do iluminismo português, escritor e divulgador de temas científicos. A sua obra enciclopédica em dez volumes intitulada Recreação Filosófica, ou Dialogo Sobre a Filosofia Natural, para instrução de pessoas curiosas, que não frequentaram as aulas contou com uma publicação que se estenderia por toda a segunda metade do século XVIII, conhecendo uma apreciável difusão internacional, particularmente na ibero-américa.
Teodoro de Almeida seria ainda o continuador das conferências de filosofia experimental iniciadas em 1752 pelo seu mestre, o padre João Baptista, no bem equipado gabinete de instrumentos da Casa das Necessidades – mandada construir e doada à congregação do Oratório por Dom João V, nos últimos anos do seu reinado. Actualmente este edifício alberga o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Naquele tempo as conferências eram abertas ao público e registavam um enorme sucesso, com mais de 400 pessoas na assistência, maioritariamente membros da elite da capital, de entre os quais o rei Dom José I.
Contrariamente à grande maioria dos planetários mecânicos produzidos na época, o de Teodoro de Almeida não apresenta o plano do sistema solar na posição horizontal, mas antes o apresentava na posição vertical. Na verdade, os planetas moviam-se no “mostrador”, substituindo os ponteiros de um relógio (ver gravura). No folheto que publicou em 1796 para acompanhar a sua criação, Teodoro esclarecia que a intenção era demonstrar claramente a um auditório os movimentos planetários, não sendo muito fácil de o conseguir com um dispositivo horizontal.
Nesse mesmo texto argumentava que o seu planetário era superior ao de John Theophilus Desaguliers’ (1683-1744) – conhecido demonstrador da Royal Society de Londres, assistente de Isaac Newton (1642-1727) – simulando mais movimentos e fenómenos do sistema solar. O instrumento de Teodoro incluía também o planeta Úrano, descoberto 15 anos antes pelo astrónomo britânico William Herschel (1738-1822). Num domínio mais alegórico, o instrumento era ornamentado com duas figuras: a da esquerda representava a astronomia e a da direita o tempo cronológico.
Entre 1768 e 1778, Teodoro de Almeida esteve exilado no estrangeiro em resultado da perseguição movida pelo Marquês de Pombal. Numa primeira fase no norte da Espanha e mais tarde em Baiona, na França. Foi nesta última cidade que concebeu o seu primeiro planetário mecânico, vendido em leilão para garantir sustento durante tempos difíceis.
Assim, e considerando a importância deste instrumento, o príncipe regente Dom João mandou fazer mais uma cópia do planetário mecânico no Arsenal para permitir que Almeida usasse o original nas suas demonstrações. Quando Teodoro de Almeida morreu, em 1804, o planetário encontrava-se na casa oratoriana do Espírito Santo, e lá permaneceu até à extinção das ordens religiosas, em 1834. Foi depois levado para o “Depósito Geral das Livrarias das Extintas Corporações Religiosas” e, em 1837, seria transferido para a Real Biblioteca Pública da Corte. Então, em data anterior a 1843, foi entregue à Escola Politécnica para servir de apoio às aulas de astronomia.
Em Abril de 1882, um artigo publicado na revista Occidente, um periódico ilustrado de cariz generalista, dava conta que no rés-do-chão do Observatório da Escola Politécnica, para uso na sala de aula, se encontrava um planetário da autoria do padre Teodoro de Almeida. Assim, quando em 2009 foi descoberto na cave do antigo Observatório um estranho “móvel” de madeira (infelizmente já desprovido da componente mais importante, o mecanismo) os investigadores não demoraram muito a perceber que se tratava da base do planetário. Actualmente é esse o único testemunho material conhecido – guardado no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (Museus da Universidade de Lisboa) – do próprio e engenhoso planetário do sábio oratoriano.
Historiador de ciência
Esta série, às segundas-feiras, está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação