Com Setembro chegaram as tão famigeradas praxes de tradição secular. Desta vez foi em Évora, mais precisamente no Rossio de São Brás. Num vídeo a circular nas redes sociais podemos ver um caloiro ajoelhado sobre as próprias mãos com a cabeça no chão sobre um monte de farinha. O caloiro queixa-se, e com razão, de dores. Diante de tal espectáculo, um cidadão interpela os veteranos. Resposta: “Ele está a fazer porque quer.”
E é aqui que entramos em desacordo, meus senhores. Ninguém faz “porque quer”, fazemos porque temos medo, vencemos a escola secundária e começámos uma nova vida, nova e por isso desconhecida, acabámos de chegar e não conhecemos ninguém, sentimo-nos inseguros e somos vulneráveis. Em suma, temos medo, e por termos medo subjugamo-nos à pressão do grupo e às exigências e caprichos dos outros, dos que já cá estão, os mais velhos, os veteranos, donos e senhores do nosso destino agora que estamos a tantos quilómetros de casa.
E porque queremos pertencer, fazer parte do grupo, ser aceites, sujeitamo-nos a regras e rituais não apenas ridículos, perigosos, humilhantes, criminosos.
Se juntarmos a isto o efeito das redes sociais, neste momento metade de Portugal está a gozar com o caloiro enquanto a outra metade condena tais actos e toda a gente fala deste pobre rapaz que, nesta segunda-feira, não vai poder sair de casa por vergonha e, quem sabe, por ter ainda mais medo, desta feita das represálias dos veteranos que prontamente deram a cara neste vídeo.
Perante este cenário, onde estão as autoridades, a polícia, as sanções e a acusação de crime? Onde está a reitoria da universidade, os processos disciplinares, a responsabilização dos veteranos envolvidos e a expulsão dos mesmos para exemplo geral? E, já agora, onde estão os testes de formação cívica como critério para acesso ao ensino superior? Onde está a formação pessoal e o ensino para a cidadania numa sociedade dita tolerante, inclusiva, igualitária, de caminho sem caloiros nem veteranos, apenas alunos?
Por que carga de água, e depois de tudo o que se sabe sobre as praxes, se continuam a permitir tais práticas, humilhações e crimes ano após ano, crimes esses teimosamente impunes? Para quando o fim das praxes? Para quando?
Entretanto chegam notícias da Serra da Estrela, onde dois estudantes foram despidos e agredidos, durante a noite, com pás enquanto estavam de gatas. Pedimos acção, clamamos justiça.