UMAR acusa juízes de misoginia no caso de violação em Gaia

Associação junta-se aos protestos que estão marcados para os próximos dias, convocados por vários colectivos feministas, e que vão realizar-se no Porto, Coimbra e Lisboa.

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Nuno ferreira Santos

A União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) acusou de misoginia e desconhecimento os juízes da Relação do Porto que decidiram manter pena suspensa para os autores de um caso de abuso sexual de uma jovem numa discoteca, em Gaia.

Em comunicado, a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) "repudia a decisão do Tribunal da Relação do Porto", apontando que a "fundamentação e a decisão deste colectivo de juízes atentam contra os direitos, liberdades e garantias desta mulher vítima de violação, ao desvalorizarem o crime praticado".

"As justificativas dos juízes do Tribunal da Relação do Porto sobre este caso revelam uma profunda misoginia e desconhecimento sobre o 'fenómeno' violência sexual e de género", diz a UMAR.

A reacção da associação de defesa dos direitos das mulheres surge depois de ser conhecida a decisão do Tribunal da Relação do Porto que manteve a condenação a uma pena suspensa dos dois homens acusados de violarem uma mulher.

O caso ocorreu em Novembro de 2016 numa discoteca de Vila Nova de Gaia e a mulher, de 26 anos, chegou a estar inconsciente por exagero no consumo de álcool, mas os dois homens alegaram sempre que ela consentiu as relações sexuais.

Na sua sustentação, os juízes Maria Dolores Silva Sousa e Manuel Soares (este, actual presidente da Associação Sindical de Juízes) argumentaram que "a culpa dos arguidos situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica" e um "ambiente de sedução mútua". A ilicitude, defenderam ainda, "não é elevada".

Para a UMAR, trata-se de "uma decisão judicial escandalosa", através da qual o Tribunal da Relação do Porto demonstra o "enraizamento do sexismo e da estereotipia de género".

"Esta constante menorização da violação cometida por homens, juntamente com a culpabilização e responsabilização da vítima não podem continuar a ser efectuadas, principalmente por magistradas/os. Uma mulher em estado de inconsciência não pode dar consentimento algum sobre nada! Tudo o que lhe é feito é da responsabilidade de outrem", defende a UMAR.

A associação acusa o tribunal de promover a "revitimização da própria vítima", sublinhando que se trata de um acórdão demonstrativo de como a sociedade portuguesa ainda "naturaliza a violência sexual", colocando a culpa na mulher, "tida como a precursora do pecado", por oposição aos homens "incapazes de controlar os seus desejos/pulsões sexuais".

"Este acórdão legitima a violência sexual contra as mulheres, constituindo uma carta branca e um incentivo para os agressores assediarem/agredirem/violarem, pois nada acontecerá em tribunal", critica.

A UMAR diz ainda que vai juntar-se aos protestos "Pelo fim da cultura da violação! Justiça machista não é justiça!" que estão marcados para os próximos dias, convocados por vários colectivos feministas, e que vão realizar-se no Porto, Coimbra e Lisboa, nos dias 26, 27 e 28 de Setembro, respectivamente.

A decisão do Tribunal da Relação do Porto tinha levado já a que o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, em declarações ao Expresso, recusasse qualquer tipo de medida sancionatória em relação aos juízes em causa, apontando que não houve "erros grosseiros" ou "linguagem manifestamente inadequada".

Por seu lado, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses saiu em defesa do acórdão subscrito pelo seu presidente, sublinhando que não houve violação, mas sim um caso de abuso sexual, e acrescentando que os tribunais "não têm agendas políticas ou sociais, nem decidem em função das expectativas ou para agradar a associações militantes de causas, sejam elas quais forem".