Violaram-na quando estava inconsciente, mas tribunal entendeu que o mal feito não é “elevado”
Vítima foi violada por dois homens quando estava desmaiada. Relação do Porto entendeu que os criminosos não devem ser condenados a uma pena de prisão efectiva.
Foram dados como culpados “pela prática, em autoria material, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência”, mas continuam em liberdade, porque o Tribunal da Relação do Porto decidiu, em Junho passado, confirmar a pena de prisão suspensa, decidida anteriormente por um tribunal de Vila Nova de Gaia, por considerar que “a ilicitude não é elevada”, adiantou nesta quinta-feira o Diário de Notícias.
O acórdão da Relação do Porto assinado pelos juízes Maria Dolores da Silva e Sousa e Manuel Soares, que pode ser consultado online, dá como provado que na madrugada de 27 de Novembro de 2016 uma mulher de 26 anos foi violada quando se encontrava inconsciente numa casa de banho de uma discoteca de Vila Nova de Gaia. Os violadores foram o barman e o porteiro do estabelecimento, que conheciam a vítima, com 25 e 39 anos de idade.
No acórdão descreve-se que quando a mulher “perdeu a consciência” na casa de banho, já depois de ter ingerido várias bebidas alcoólicas, estava acompanhada pelo barman que, “verificando a incapacidade da ofendida de reger a sua vontade e de ter consciência dos seus actos, resolveu e com ela manteve relações sexuais de cópula vaginal completa, depois de a ter despido da cintura para baixo, mantendo-lhe a roupa a meio das pernas”.
O porteiro da discoteca entrou depois na casa de banho e “manteve também relações sexuais de cópula vaginal completa, chegando … a ejacular”. Tudo isto com a vítima inconsciente, circunstância de que os dois tinham conhecimento. Como, aliás, acrescenta-se, se prova em telefonemas feitos pelo barman, que foram interceptados pela polícia, em que este dá conta que “ela estava toda fodida (...)”, “toda desmaiada na casa de banho”.
“Sedução mútua”
Apesar de os factos terem sido dados como provados, o Tribunal da Relação do Porto entendeu que “a culpa dos arguidos [embora nesta sede a culpa já não seja chamada ao caso] situa-se na mediania, ao fim de uma noite com muita bebida alcoólica, ambiente de sedução mútua, ocasionalidade (não premeditação), na prática dos factos”. A ilicitude do que foi feito “não é elevada”, uma vez que “não há danos físicos [ou são diminutos] nem violência”.
Ambos foram condenados a quatro anos e meio de prisão, com pena suspensa. O Ministério Público recorreu por entender que a pena devia ser efectiva, mas a Relação do Porto que analisou o recurso entendeu o contrário. E justificou assim a sua decisão: “As circunstâncias em que ocorreram os factos, as condições de vida dos arguidos [não têm registo criminal e estão inseridos na sociedade], pretéritas e presentes, e a personalidade dos arguidos, permitem-nos concluir que as finalidades da punição poderão ser alcançadas com a simples ameaça de prisão e a censura do facto.” Ou seja, “que sintam uma condenação com execução da pena, como uma solene advertência, e deste modo fique prevenida a reincidência”.
A Relação do Porto decidiu, contudo, que o Tribunal de Vila Nova de Gaia deve voltar a analisar o caso, mas apenas com o objectivo de ponderar a atribuição de uma indemnização à vítima – o que não foi feito no primeiro julgamento, embora o tribunal estivesse a isso obrigado pelo Código de Processo Penal, já que à ofendida foi atribuído o estatuto de “vítima especialmente vulnerável”.
Antes deste julgamento, que ficou concluído em Fevereiro passado, os culpados estiveram seis meses em prisão preventiva.