Nova procuradora fez críticas duras a magistrados e Segurança Social por "falhanços" na adopção

Lucília Gago foi responsável pela revisão da lei da adopção em 2015, a convite do então ministro Mota Soares. Sem papas na língua, disparou críticas ao sistema que existia quando foi ouvida no Parlamento. Impôs prazos para agilizar processos de adopção, mas desde então o número de crianças devolvidas pelas famílias adoptivas aumentou

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Há "falhanços" na adopção devido à má selecção de candidatos. Os magistrados que decidem os processos de adopção "não recebem a formação que deveriam receber”. E os “atrasos muito substanciais na produção dos relatórios” por parte dos técnicos da Segurança Social “comprometem inelutavelmente” o projecto de vida de muitas crianças. Estas críticas foram feitas por Lucília Gago, em 2014, em plena Assembleia da República, e mostram bem como a futura procuradora-geral da República não tem papas na língua.

Lucília Gago tinha sido convidada pelo então ministro da Segurança Social, Luís Pedro Mota Soares (CDS), para coordenar a comissão técnica de revisão da lei da adopção (que era de 1993). O sistema tinha vários bloqueios e a magistrada não os escondeu. Citada pela Lusa em audição parlamentar em Dezembro de 2014, a futura procuradora-geral admitiu “alguns falhanços” no domínio da adopção” que poderiam “em grande medida radicar numa formação, avaliação e selecção dos candidatos que não terá sido adequada” e que não terá “tido em devida conta as especiais necessidades que as crianças em situação de adaptabilidade têm”. E apontou mesmo o dedo aos juristas que “não sabem e não podem dar resposta a estas matérias de uma forma suficientemente abrangente e, neste âmbito, a multidisciplinaridade deve imperar cada vez mais”.

“Os magistrados têm de ter a humildade de reconhecer que, em muitos domínios, não estão apetrechados do conhecimento científico necessário”, declarou perante os deputados, acrescentando que, nesta área, “não há ninguém que deve escapar à crítica”.

A magistrada, que fez a sua carreira na área da família e menores e que viria a fundar o primeiro gabinete de coordenação a nível nacional dos magistrados do Ministério Público na área da Família, da Criança e do Jovem na Procuradoria-Geral da República (a pedido de Joana Marques Vidal), criticou nessa altura o próprio Ministério Público e a magistratura judicial. "As pessoas que nestas instituições decidem os processos de adopção não recebem a formação que deveriam receber”, disse Lucília Gago, para quem as acções de formação contínua para os magistrados “não chegam”, defendendo que “em matérias tão sensíveis, o bom funcionamento da máquina judiciária exigiria” essa formação.

Outro problema apontado pela procuradora tinha a ver com os atrasos na elaboração dos relatórios sociais e, por vezes, a sua falta de rigor, para que o tribunal possa decretar uma medida de acolhimento. Desde há muitos anos que “aqui e acolá” se registam “atrasos muito substanciais na produção dos relatórios”, que “comprometem inelutavelmente” o projecto de vida da criança, alertou. De acordo com a lei, todos os candidatos a adoptar são necessariamente sujeitos a um estudo sobre a sua condição social e psicológica, elaborado pela Segurança Social para posterior apreciação por um juiz. Por outro lado, apontou Lucília Gago, era também “incompreensível a inexistência de um registo de processos a nível nacional” que permitisse aos tribunais acederem a informação sobre a criança ou o jovem.

"Trabalho magnífico"

Na sequência deste diagnóstico, a procuradora-adjunta propôs na nova lei da adopção que seria aprovada no ano seguinte, em 2015, merecendo um grande consenso, a agilização dos processos de adopção. Foi criado o Conselho Nacional para a Adopção, que tem como função garantir a celeridade e rigor de cada processo, e impostos prazos obrigatórios máximos para cada fase do processo de adopção. O Estado ficou também obrigado a informar com regularidade as pessoas candidatas a adopção do estado do seu processo.

"Fez um trabalho magnífico. Houve uma quase unanimidade sobre a nova lei", recorda ao PÚBLICO Mota Soares, considerando Lucília Gago uma "pessoa muito serena, ponderada, muito competente e com grande capacidade de liderança". O CDS foi o único partido a bater-se claramente pela recondução de Joana Marques Vidal, mas afirmou "respeitar a opção" do Governo e do Presidente, acreditando que a escolha de Lucília Gago mantém o "perfil, o caminho e proximidade" com o trabalho de Marques Vidal, como disse ontem Telmo Correia.

As alterações à lei da adopção em 2015 foram apresentadas pelo Instituto de Segurança Social como tendo o objectivo de uma melhoria dos processos de adopção. Porém, os dados não são claros a esse respeito.

Em 2014, houve 37 reentradas de crianças no sistema, ou seja, 37 crianças (em 329 adoptadas) que foram "devolvidas", segundo dados do Relatório CASA (Caracterização Anual do Sistema de Acolhimento). Em 2015, registaram-se 35 casos. Em 2016, o número subiu para 48 (em 361 crianças adoptadas). Os números relativos a 2017 nunca foram publicados. Desde o início deste ano que o PÚBLICO tem questionado o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança e o Instituto da Segurança Social, que remetem para os dados de 2016. Ao não disponibilizar os dados relativos a 2017 e ao não responder às perguntas enviadas, o Governo não demonstra como terá sido melhorada a situação das crianças a aguardar uma família e qual a situação das famílias à espera de adoptar

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