Portugal e Angola, uma parceria estratégica para o futuro
Quem, em Angola, olhar apenas com ressentimento para Portugal e quem, em Portugal, olhar ainda com avidez, egoísmo ou condescendência para Angola, ficará irremediavelmente à margem da parceria estratégica.
É evidente que Portugal e Angola estão ligados pela história. Ninguém o nega. Durante muito tempo, no colonialismo, uma história dolorosa, que a opressão colonial é uma terrível violação da dignidade das pessoas e dos povos. Entre 1961 e 1974, a Guerra Colonial levou a violência ao extremo. Mas ela foi também a Guerra de Libertação do povo angolano e esteve diretamente associada à libertação dos portugueses face à ditadura do Estado Novo.
Ninguém deve esquecer este passado – e as marcas que deixou e perduram. Mas também não deve esquecer que ele é passado.
Quando Angola foi palco de uma longa guerra civil, e vítima dos conflitos por procuração entre as superpotências da Guerra Fria, Portugal soube ser solidário e apoiar os esforços de paz e reconciliação. No século XXI, liberto finalmente da opressão colonial e da luta fratricida, o grande país africano pôde dedicar-se à reconstrução e Portugal perfilou-se como parceiro óbvio de desenvolvimento.
Os movimentos migratórios, a mobilidade de estudantes, as relações comerciais e de investimento, as trocas entre agentes universitários, culturais, desportivos e políticos, a colaboração entre instituições públicas, tudo foi criando uma nova interligação social que ia muito mais fundo do que a espuma dos dias e os humores das lideranças. Certamente para pesar dos que permaneciam numa visão tardo-colonial ou ficavam ainda presos dos clichés ideológicos de antanho, mas inelutavelmente, a interligação foi-se fortalecendo à medida que, com a estabilização e o crescimento de Angola, a relação com Portugal foi ficando mais recíproca e equilibrada.
O caminho não tem sido fácil, refém aqui e ali de equívocos e tensões, contrariado pelos interesses que prejudica e os preconceitos que desafia. Mas a interligação das duas sociedades, por via da partilha linguística, da proximidade cultural e da interdependência económica, constitui a base mais sólida do relacionamento bilateral. Angola apoiou António Guterres na ONU e António Vitorino na OIM e Portugal apoiou Angola no Conselho de Segurança porque em todos esses casos se tratava de escolher um dos “nossos” – não nossos tutelados mas nossos próximos, nossos iguais.
As fundações do relacionamento bilateral não ficam por aqui. Como Estados soberanos, Angola e Portugal têm interesses comuns – e isso conta muito. Convergem na projeção global da língua, na estabilidade da África Central e Austral, na segurança marítima no Atlântico Sul, na triangulação entre África, a América Latina e a Europa, no multilateralismo. São destinos recíprocos de pessoas, capitais, bens e serviços.
Ora, a consciência de que cabe a cada um definir soberanamente os seus interesses e de que cabe a ambos trabalharem sobre interesses comuns é que permite transformar a proximidade social numa parceria política e institucional, ampla e de longo prazo.
Ela contém várias dimensões. A concertação diplomática na cena internacional. A cooperação, que se estende da educação à saúde e da segurança e defesa às áreas sociais. A relação económica, quer comercial quer de investimento, e nas duas direções. E o domínio da cultura e das ideias, que vai do conhecimento e das artes à comunicação e ao diálogo sobre democracia e direitos humanos.
O relacionamento não é um estado, mas um processo. Parceria significa, precisamente, cultivá-lo com vontade e método, reconhecendo escolhos, assimetrias ou divergências e dando-se o tempo e recursos necessários à sua superação. A visita do primeiro-ministro António Costa a Luanda confirmou a vontade, delineou o método e identificou os recursos: o novo programa de cooperação; o reforço da linha de crédito a empresas portuguesas para execução de projetos em Angola; o acordo para evitar a dupla tributação; a extensão da colaboração bilateral às áreas fiscal e financeira; o foco específico nos setores agrícola e agroindustrial; a intensificação das ligações aéreas. Ao mesmo tempo, a cooperação portuguesa gere dois projetos europeus muito importantes para o desenvolvimento de Angola, a revitalização do ensino técnico e da formação profissional e o apoio à pequena agricultura mercantil e à segurança alimentar.
No plano empresarial e do ponto de vista português, a situação angolana é um grande desafio. Por um lado, a escassez de divisas e os apertos financeiros provocam incumprimentos e atrasos que reduzem as exportações, penalizam as empresas e trabalhadores expatriados e criam incerteza e risco. Por outro, as potencialidades do país e o empenhamento do Presidente João Lourenço no combate à corrupção, na melhoria do ambiente institucional e na diversificação da economia criam enormes oportunidades para quem quiser comprometer-se com a nova Angola.
Este é o ponto. Quem, em Angola, olhar apenas com ressentimento para Portugal e quem, em Portugal, olhar ainda com avidez, egoísmo ou condescendência para Angola, ficará irremediavelmente à margem da parceria estratégica. Felizmente. Mas nela ocupará lugar cimeiro quem perceber que Portugal e Angola podem e devem ser protagonistas na intensificação do relacionamento euro-africano, quem respeitar escrupulosamente a soberania e as escolhas fundamentais de cada Estado e quem, especificamente, compreender que ambas as economias dispensam a lógica das obras sem medida nem critério e, pelo contrário, precisam de investimento produtivo, de qualificação, de emprego e bem-estar.
É sólido como granito o entrosamento sociocultural entre os dois países; e são manifestos os interesses comuns, os trilhos abertos à cooperação e as oportunidades económicas. Desde que não hesitemos no essencial: Angola e Portugal são Estados soberanos e iguais. Quem investe há de respeitar as regras e as prioridades nacionais; a relação económica tem de ser equilibrada e os benefícios mútuos.
Sem esquecer o que há de bom e de mau no passado, remoto ou presente, mas deixando-o no passado, a hora é de olhar para o futuro.