Director-geral da Educação retira inquérito alvo de acusações de racismo

Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial já tem queixas contestando o facto de se ter separado português de ser cigano ou africano. Comissão de Protecção de Dados tinha mandado retirar questões. Fundação Belmiro Azevedo, que financiava, retirou apoio.

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Para a maioria dos alunos ontem foi o primeiro dia de aulas LUSA/FILIPE FARINHA

O director-geral da Educação, José Vítor Pedroso, disse que vão ser retirados todos os inquéritos entregues a alunos e famílias, de várias escolas de Lisboa e do Porto, por incluírem questões consideradas racistas.

O Jornal de Notícias adiantou na sua edição desta terça-feira que há um inquérito que faz uma pergunta sobre a origem dos pais misturando nacionalidade com origem étnico-racial (por exemplo, tem como opções português, cigano, africano ou brasileiro) e que foi entregue aos pais na segunda-feira em, pelo menos, duas escolas do 1.º ciclo. 

O SOS Racismo já enviou uma queixa à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial contestando o facto de se ter separado "a categoria de 'cigano' como se esta fosse mutuamente exclusiva de se ser ‘português’", fazendo "a mesma exclusão" com "ser 'africano' e demais opções". A CICDR abriu um procedimento interno. A secretária de Estado para a Igualdade, Rosa Monteiro, disse à Lusa: "Há aqui um erro e tem de se apurar o que aconteceu". No caso de entidades colectivas, as coimas, neste tipo de casos, podem ir até aos 8 mil euros, adiantou. 

Num email, aquele grupo explica: "Entende-se que tais categorias reforçam a ideia de que ser ‘português’ é uma raça, e em concreto, a branca, e diz-se que ser-se cigano ou negro indica que se é 'não português', algo que se torna pior ao ser apresentado em duas escolas básicas."

A Direcção-Geral de Educação (DGE) aprovou o inquérito mas, segundo o Ministério da Educação, por ter perguntas sensíveis, este foi avaliado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) que mandou retirar as questões relacionadas com a origem dos estudantes. "Qualquer inquérito que é aplicado dentro do recinto escolar (seja a alunos, professores ou funcionários) necessita de uma autorização da Direcção-Geral da Educação. Há uma legislação em Portugal que, quando os questionários se dirigem a alunos, é muito exigente relativamente ao tipo de perguntas e ao tamanho do questionário", fez saber a tutela.

O director-geral da Educação explicou ainda que há um conjunto de critérios que faz com que na DGE haja um serviço que tem por missão analisar os questionários. Após a aprovação deste, foi passada uma declaração à entidade que está a fazer a investigação de que os inquéritos só podiam ser aplicados nas escolas se fossem retiradas as questões relacionadas com a origem dos estudantes. "O que me referiram da escola (a escola é que deveria ter analisado o questionário) é que tinham analisado uma versão, que não esta. No dia da aplicação do questionário estes chegaram à escola num envelope fechado. A escola, no meio de um primeiro dia de aulas, não teve tempo para verificar."

O JN adianta que, na sequência do inquérito, foram feitas várias denúncias ao Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), na Comissão para Igualdade e Contra a Discriminação Racial e também junto de Rosa Monteiro, secretária de Estado da Cidadania e Igualdade.

O estudo foi organizado pela CLOO, uma empresa de consultadoria em economia comportamental, coordenado pela investigadora Diana Orghian, e tem como objectivo "melhorar os métodos educativos em Portugal".

Foi feito em parceria com a Fundação Belmiro Azevedo, que retirou o seu financiamento, segundo disse Daniel Carvalho. "A fundação não pode tolerar qualquer tipo de circunstância que ponha em causa os princípios de igualdade", afirmou ao PÚBLICO.

Segundo explicou, trata-se de um inquérito constante de um estudo sobre a forma como "o acompanhamento dos pais em casa potencia as actividades de leitura ao longo do 1º ciclo". Ao PÚBLICO, a investigadora, formada em Psicologia, referiu que o objectivo era "encontrar estratégias eficazes para os pais se envolverem na leitura com os filhos". Remeteu comentários sobre a retirada do financiamento e outras explicações para um comunicado que será divulgado esta tarde.

Ao JN Diana Orghian tinha afirmado ter autorização da CNPD e da DGE (a 3 de Agosto) para o realizar, no entanto, admitiu que o documento tem erros e foi entregue antes do tempo.

Entre os lapsos, destaca o facto de os inquéritos terem sido entregues antes do dia 24 de Setembro. Até lá os investigadores queriam retirar a palavra "cigana" do documento.

Excluir cigano de ser português

Ao PÚBLICO o activista cigano Piménio Ferreira, do SOS Racismo, comenta que em causa não está a recolha de dados étnico-raciais, que, diz, interessa e é importante que aconteça no âmbito do Censos — algo que não é consensual e está neste momento a ser discutido por um grupo de trabalho, com representantes de várias comunidades, a pedido do anterior ministro que tinha a tutela, Eduardo Cabrita.

O que está em causa é a forma como as perguntas estão feitas e que faz "lembrar o Estado Novo". Para Piménio Ferreira é preciso pensar que categorias se utilizam — se as de nacionalidade ou as de origem étnico-racial ou até as duas — mas o importante é separar as duas. "Também não sabemos para quê, com que objectivo é que o inquérito está a ser feito. Quando leio que é para uma consultoria fico ainda mais perplexo."