Mobilização maciça na Diada encobre divergências entre independentistas
A exigência de libertação dos políticos presos uniu em Barcelona o campo soberanista. Para os “impacientes”, seria a passagem da política para rua, abrindo nova fase de confronto com o Estado.
Cumpriu-se ontem em Barcelona mais um acto ritual do independentismo, a Diada, desta vez centrada na libertação dos dirigentes presos e sob a palavra de ordem “Façamos a república catalã”. É um ritual que marca os tempos do processo secessionista, aberto exactamente pela Diada de 2012. Desta vez, poderá visar um período de mobilização de rua permanente até à comemoração da malograda “declaração de independência” de 27 de Outubro de 2017. E “acumular forças” para um novo confronto com o Estado após a leitura das sentenças dos independentistas presos ou exilados, prevista para a Primavera.
“Estas manifestações são provas do esforço vital que o movimento independentista pratica para manter o moral alto e recordar que o conflito não é uma crise conjuntural” mas um conflito estrutural e insolúvel com o Estado espanhol, anotou no La Vanguardia o colunista Francesc-Marc Álvaro. “A solidariedade com os presos e exilados é um poderoso motor contra a desorientação e, até, o desânimo que afecta, com maior ou menor intensidade, as bases soberanistas.”
No fim da manifestação, Quim Torra, o president da Generalitat, qualificou-a de “histórica” e anunciou: “A marcha começou aqui.”
A Diada é o dia nacional da Catalunha e celebra a queda de Barcelona na Guerra da Sucessão, em 1714. Por isso a manifestação começa sempre às 17h14. A mobilização, coordenada pelas associações independentistas Assembleia Nacional Catalã (ANC) e Òmnium Cultural, foi maciça, enchendo a imensa Avenida Diagonal. A Guarda Urbana de Barcelona falou em “cerca de um milhão de pessoas”, muitas delas transportados do interior por mais de um milhar de autocarros. O diário independentista Ara.Cat aludia mais prudentemente a “centenas de milhares”. Os números são todos os anos motivo de discórdia. Como nos anos anteriores, esta Diada foi marcada por um carácter pacífico e festivo.
Estratégia de confronto?
Antes da manifestação houve cerimónias simbólicas como a deposição de flores no monumento a Rafael Casanova, o líder catalão derrotado em 1714. Além dos dirigentes nacionalistas compareceram Alda Colau, presidente de Barcelona, e o líder socialista Miquel Iceta. Mas declararam não participar na Diada pelo seu “unilateralismo” independentista. Outros denunciaram o carácter “sectário” da jornada e a exclusão de “metade dos catalães” da celebração do dia nacional.
O campo independentista está dividido. A Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) não esconde que o projecto nacionalista precisa de ganhar tempo, de se distanciar do unilateralismo e dialogar com o Governo de Pedro Sánchez.
Para o campo radical, encabeçado por Quim Torra e teleguiado de Bruxelas pelo antigo president Carles Puigdemont, a realidade é outra. Consideram que o “factor emocional” das detenções os ajudará a contrariar uma mudança de estratégia. No plano governamental, Torra não quer ultrapassar as “linhas vermelhas” e não tem uma estratégia para romper com as instituições do Estado espanhol, escreve o La Vanguardia. Por isso, tenta passar a política “do parlament para a rua”, aguardando as sentenças para colocar o campo soberanista em vantagem para as eleições regionais de Maio. “Umas eleições em que se o independentismo ultrapassasse os 50% propiciariam aquilo a que Torra chama o momentum.” Um deputado da ERC qualificou este raciocínio de “independentismo mágico”.
De resto, nada é seguro quanto ao calendário eleitoral espanhol, não se podendo excluir inclusivamente a precipitação de eleições legislativas mesmo antes das regionais. Quanto ao resto, a Catalunha permanece dividida ao meio, o que coloca o independentismo numa posição de fraqueza, por impressionantes que sejam as imagens da manifestação.