Sócrates quer vigiar sorteio do juiz que fará instrução da Operação Marquês
Ex-primeiro-ministro pede para falar nesta fase facultativa do processo, tentando evitar ir a julgamento no caso em que está acusado por três crimes de corrupção.
A defesa do ex-primeiro-ministro José Sócrates quer estar presente no sorteio electrónico que determinará o juiz que fará a instrução da Operação Marquês e quer mesmo levar um técnico para acompanhar aquele acto. O PÚBLICO apurou que isso mesmo foi pedido pelos advogados do antigo governante no requerimento de abertura de instrução, entregue esta quinta-feira já depois de ter fechado a secretaria do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), onde o inquérito correu.
A Procuradoria-Geral da República confirmou ao PÚBLICO que o documento foi enviado “por email e fax” antes da meia-noite, o limite para pedir a realização desta fase facultativa do processo-crime, que pretende avaliar se há indícios suficientes para levar os acusados a julgamento. Antes um dos advogados de Sócrates, João Araújo, recusara-se a adiantar se tinha pedido a instrução do caso. “Não confirmo nem desminto”, disse João Araújo ao PÚBLICO.
Sócrates tenta assim evitar ir a julgamento no caso em que está acusado por 31 crimes, três dos quais de corrupção. Com este pedido passam a ser 19 o número de arguidos que pediram a instrução, entre os 28 acusados no caso. A defesa de Sócrates, além de querer estar presente no sorteio, quer igualmente que durante a instrução um profissional do Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça vá ao tribunal explicar como funciona o programa informático que faz a distribuição electrónica dos processos nos tribunais.
No documento, segundo apurou o PÚBLICO, o ex-primeiro-ministro pedirá para ser ouvido durante a instrução da Operação Marquês, prescindindo do direito ao silêncio. E insistirá na sua inocência, garantindo que não cometeu qualquer crime.
Para comprovar isso mesmo pede que sejam ouvidas como testemunhas cerca de meia dúzia de pessoas, onde se incluem vários membros dos seus Governos, nomeadamente o ex-ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, e o ex-secretário das Obras Públicas, Paulo Campos.
Como o ex-ministro socialista Armando Vara, a defesa de Sócrates também levanta a questão da atribuição do caso, em Setembro de 2014 - altura em que entrou em vigor a nova organização judiciária e o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) passou de um para dois magistrados judiciais - ao juiz Carlos Alexandre, falando igualmente na manipulação dos procedimentos.
Pedem para invalidar provas
E como a defesa de Vara, os advogados de Sócrates, João Araújo e Pedro Delille, também pedem que sejam invalidadas todas as provas obtidas em diligências autorizadas pelo juiz Carlos Alexandre a partir de 9 de Setembro de 2014, quando a investigação do caso, que durou mais de quatro anos, tinha apenas uns meses. Em causa estão, por exemplo, escutas telefónicas, elementos bancários e documentos apreendidos em buscas.
As duas defesas insistem que o caso devia ter sido sorteado através do sistema informático para garantir a aleatoriedade da selecção e que um juiz devia ter presidido à distribuição, o que, segundo informação do próprio tribunal, não aconteceu em 2014.
No entanto, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) garante que o processo já tinha sido distribuído ao juiz Carlos Alexandre em 2013, quando o Tribunal Central de Instrução Criminal tinha apenas aquele magistrado judicial. O órgão de tutela dos juízes recorda que por causa da reforma de 2014 foi necessária a transição dos processos para o novo modelo e que por decisão da presidente da recém-criada comarca de Lisboa, validada pelo CSM, os inquéritos pendentes no tribunal central continuaram nas mãos de Carlos Alexandre.
Uma responsável ligada ao funcionamento do TCIC lembrou ainda que no arranque da reforma do mapa judiciário, o Citius, o sistema informático dos tribunais, esteve mais de 40 dias sem funcionar, o que obrigou a fazer muitos procedimentos manualmente.
Talvez, por isso, a defesa de Sócrates peça ao Instituto de Gestão Financeira e de Equipamentos da Justiça para explicar se, em Setembro de 2014, estava a funcionar o programa informático que normalmente faz a distribuição electrónica dos processos. Os advogados do ex-primeiro-ministro também querem que o órgão de tutela dos juízes envie todas as decisões relacionadas com a forma como devia ser feita a distribuição dos processos no Tribunal Central de Instrução Criminal.
O sorteio electrónico que decidirá quem será o juiz a presidir à instrução da Operação Marquês assume uma grande relevância porque muitos consideram que o magistrado judicial que calhar determinará o futuro do processo. Vários jornalistas e algumas defesas, como a de Armando Vara e a de Sócrates, pediram expressamente para estarem presentes neste procedimento burocrático, que basicamente se resume a carregar numa tecla.
Processo aleatório
O computador decide aleatoriamente os processos que ficam na mão de cada juiz e a listagem é impressa e assinada pelo magistrado que presidir ao acto, explicou ao PÚBLICO a presidente da comarca de Lisboa, Amélia Almeida. No caso do tribunal central, o processo só pode ir parar às mãos de um dos dois juízes daquela instância: Carlos Alexandre ou Ivo Rosa. Se o primeiro assumiu as funções de juiz de instrução durante o inquérito, autorizando a maioria das diligências solicitadas pelos procuradores do caso, o outro é conhecido por ter um historial de conflitos com o Ministério Público, rejeitando muitos dos pedidos apresentados por aqueles magistrados. Tal já deu azo a participações disciplinares cruzadas entre o juiz e dois procuradores do DCIAP.
Várias defesas tem apresentado diversos argumentos para tentar impedir que Carlos Alexandre possa sequer ser uma opção na instrução do caso. A defesa de Vara, por exemplo, pede que o juiz seja obrigado a depor sobre a alegada manipulação da distribuição do processo em 2014, o que, a ser aceite, impediria o juiz de fazer a instrução do caso.
A instrução da Operação Marquês foi pedida por 13 pessoas e seis empresas. Entre eles estão os ex-gestores da PT Henrique Granadeiro e Zeinal Bava; o fundador do grupo Lena, Joaquim Barroca; a filha de Vara, Bárbara Vara; o primo de Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa; o empresário luso-angolano Hélder Bataglia; o alegado testa-de-ferro de Sócrates, Carlos Santos Silva; a ex-mulher do antigo primeiro-ministro, Sofia Fava e o presidente do grupo que gere Vale do Lobo, Diogo Gaspar Ferreira. Optaram por não usar esta fase facultativa nove arguidos, três dos quais empresas. O antigo banqueiro Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna, estão incluídos neste último rol.
Recorde-se que o inquérito da Operação Marquês gira à volta dos 24 milhões de euros que foram reunidos, na Suíça, pelo amigo de longa data de Sócrates, Carlos Santos Silva, que o Ministério Público acredita ser um testa-de-ferro do antigo ex-primeiro-ministro. Sócrates assume que gastou parte desse dinheiro, mas diz que tal resultou de empréstimos que o amigo lhe fez e que até já pagou em parte. Para os procuradores que fizeram a acusação o dinheiro é fruto de “luvas” com três origens diferentes: o grupo Lena, os accionistas do empreendimento de Vale do Lobo e o Grupo Espírito Santo.