Pela primeira vez em 67 anos não há artistas portugueses na Bienal de São Paulo

Fundação de Serralves não deverá acolher itinerância da bienal que abre esta sexta-feira no Brasil.

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O artista-curador Antonio Ballester Moreno durante a montagem da sua exposição BIenal de São Paulo

Podemos dizer, brincando com o título da 33.ª Bienal de Arte de São Paulo, Afinidades Afectivas, que este ano se quebrou a relação especial que havia entre os artistas portugueses e a mais importante exposição de arte da América Latina. Pela primeira vez desde que a Bienal de São Paulo abriu portas em 1951 naquela cidade brasileira, não há registo da presença de um artista nacional na exposição que abre esta sexta-feira no emblemático edifício do Parque do Ibirapuera, desenhado por Oscar Niemeyer.

De facto, na lista dos cerca de 100 artistas presentes na bienal “não há artistas portugueses até ao momento”, confirmou ao PÚBLICO a assessoria de imprensa da Bienal de São Paulo, ressalvando que há ainda nomes por confirmar na programação de performance e de outros eventos públicos. A Direcção-Geral das Artes (DGartes) também adiantou ao PÚBLICO que não recebeu qualquer pedido de apoio à presença de artistas portugueses, ao contrário do que aconteceu na última bienal, quando fez um investimento de 16.500 euros. “Não houve candidaturas”, informou a direcção da DGartes, através do seu serviço de comunicação, “nem se identificou a presença de autores nacionais no programa da edição deste ano”. O mesmo respondeu a Fundação Gulbenkian, que também não recebeu pedidos de apoio.

Em 67 anos de bienal, os artistas portugueses não falharam uma única edição, tendo o recorde de participação sido atingido em 1953, com 36 artistas. Mesmo nos anos mais fracos, como 2012 e 2014, registou-se pelo menos a presença de um artista. Na última bienal, em 2016, estiveram presentes obras de cinco artistas nacionais, Lourdes Castro, Carla Filipe, Gabriel Abrantes, Priscila Fernandes e Grada Kilomba, numa curadoria do alemão Jochen Volz, actual director da Pinacoteca de São Paulo.

A relação especial com a Bienal de São Paulo alargou-se, aliás, a uma colaboração com o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, que nas últimas duas edições acolheu no Porto uma itinerância da exposição paulista. De resto, foi ao abrigo desta parceria que a bienal se internacionalizou pela primeira vez na sua história, em 2015 (e de novo em 2017).

Sete artistas-curadores

Este ano, no entanto, a curadoria de uma das mais antigas bienais do mundo teve um modelo um pouco diferente, tentando contornar a habitual organização à volta de uma exposição principal. A Fundação Bienal de São Paulo convidou o curador-geral espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, um galego, que por sua vez escolheu vários artistas para fazerem curadorias, daí o título Afinidades Afectivas, que se inspira num romance do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe e no trabalho do histórico crítico de arte brasileiro Mário Pedrosa. Os sete artistas-curadores, que também têm de incluir as suas próprias obras, são os brasileiros Sofia Borges e Waltercio Caldas, o uruguaio Alejandro Cesarco, a argentina Claudia Fontes, o espanhol Antonio Ballester Moreno, a sueca Mamma Andersson e a nigeriana Wura-Natasha Ogunji. A ideia é chegar a uma curadoria menos centralizada e mais horizontal, já explicou Pérez-Barreiro, não havendo um só tema, mas várias exposições, com vários temas, como a organizada por Sofia Borges, a artista mais jovem, com o título A Infinita História das Coisas ou o Fim da Tragédia do Um. Há ainda 12 projectos individuais seleccionados directamente por Pérez-Barreiro, quase todos de artistas brasileiros.

“Este modelo curatorial optou por delegar num conjunto de artistas a prática curatorial. É um modelo com os seus condicionalismos, porque os artistas olham para o mundo através das suas obras e vivem no seu próprio universo”, explica João Fernandes, subdirector do Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em Madrid, que está em São Paulo e já visitou a bienal nos dias reservados aos profissionais.

Por isso, João Fernandes é da opinião que a ausência de artistas portugueses na 33.ª Bienal de São Paulo é uma consequência do modelo curatorial. “Ela não reflecte a presença dos artistas portugueses hoje em São Paulo. Neste momento, aliás, há uma exposição dos artistas João Maria Gusmão & Pedro Paiva na Galeria Fortes D’Aloia & Gabriel e outra de Hugo Canoilas no Consulado Português. Apesar de haver poucas instituições e colecções nacionais que trabalhem a internacionalização, mesmo assim ela tem acontecido pela própria natureza do trabalho dos artistas.”

A mesma leitura faz Lígia Afonso, que tem estudado a internacionalização da arte portuguesa através da Bienal de São Paulo, especialmente durante o período do Estado Novo. A historiadora de arte lembra que desde a 27.ª Bienal de São Paulo, em 2006, com curadoria da brasileira Lisette Lagnado, as representações nacionais se extinguiram, afastando-se a exposição brasileira do modelo da Bienal de Veneza. “Mas em termos de produção é evidente que a bienal continuou a depender dos dinheiros que vêm de fora, mesmo que essa presença seja relativamente abstracta ou invisível nas narrativas curatoriais. Com o modelo deste ano, em que se convocam os artistas-curadores com lógicas mais pessoalistas e poéticas, descentra-se ainda mais a bienal dos discursos da diplomacia e da política interna institucional.” Por isso, Lígia Afonso também não acha a ausência dos artistas portugueses significativa. 

Quanto a Serralves, não há um acordo entre as duas entidades neste momento, sendo pouco provável que a bienal deste ano venha a ter uma escala no Porto, explicou ao PÚBLICO Fernando Rodrigues Pereira, assessor de imprensa da Fundação de Serralves. “Mas isso não quer dizer que não venha a existir novamente no futuro.”

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