Museu Nacional do Brasil era o “maior museu de história natural da América Latina”
Fundado durante a época colonial, o Museu Nacional foi antes casa da família real. Tinha 20 milhões de peças, incluindo o fóssil mais antigo da região. "É uma catástrofe insuportável", diz um dos vice-directores.
Não era só a mais antiga instituição científica e de história natural do Brasil, era “o maior museu de história natural da América Latina”, afirmou ao site G1 Cristiana Serejo, uma das vice-directoras do Museu Nacional do Rio de Janeiro, consumido por um incêndio na noite de domingo.
Com um acervo de 20 milhões de peças, o Museu Nacional, que chegou a ser residência da família real portuguesa e da família imperial brasileira, teve origem no antigo Museu Real, fundado por decreto do rei João VI, em 1818, quando o país era ainda uma colónia portuguesa, há exactamente 200 anos. O objectivo da sua criação passava por disseminar o conhecimento e o estudo das ciências naturais pelo Brasil.
Com a independência do Brasil, em 1822, passa a chamar-se Museu Imperial e Nacional; depois, com a implantação da República, em 1889, recebe finalmente o nome de Museu Nacional.
Grande parte do que viriam a ser as suas colecções foi reunida ainda durante os períodos da Regência e do Império – incluindo as trazidas do chamado Museu do Imperador, uma das salas do Paço da Boa Vista. Tanto D. Pedro II, que foi o último imperador do Brasil, como a sua mãe, a Imperatriz Leopoldina, tinham grande interesse pelo coleccionismo e pelo estudo das ciências naturais.
As peças etnográficas vindas das ilhas Sandwich para o Imperador Pedro I, assim como múmias egípcias que este tinha adquirido, são disso exemplo. No museu estava também um diário da Imperatriz Leopoldina e um trono do Reino de Daomé, oferecido em 1811 ao então príncipe regente D. João VI.
O Paço de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, também conhecido como Palácio de São Cristóvão ou Palácio Imperial, onde se erguia o Museu Nacional, foi a primeira residência da família real portuguesa e ali nasceu a princesa Isabel. Depois do golpe que derrubou D. Pedro II, pertenceu à família imperial brasileira e viria ainda a abrigar, durante um breve período, a primeira Assembleia Constituinte da República.
Com a proclamação da República e depois de a família imperial ter sido banida, os aposentos do palácio foram bastante descaracterizados e grande parte do seu mobiliário foi leiloado.
Antes, a zona onde se localiza o palácio integrara uma quinta jesuíta nos arredores do Rio de Janeiro. A ordem religiosa foi expulsa em 1759, altura em que a propriedade foi dividida.
Para além das peças doadas directamente pela família real portuguesa, as primeiras colecções foram constituídas ainda a partir do património reunido pela Casa dos Pássaros, antiga Casa de História Natural, criada pelo vice-rei Luiz de Vasconcelos e Sousa em 1784, e por diferentes colecções particulares, incluindo a do geólogo alemão Abraham Gottlob Werner (1749-1817). Espécies geológicas, mineralógicas e zoológicas recolhidas por diferentes naturalistas estrangeiros no Brasil também foram ali reunidas.
Da colecção do museu fazia também parte o meteorito Bendegó, o maior alguma vez encontrado no Brasil e o 16.º a nível mundial. Por ser constituído de ferro maciço, o objecto sobreviveu a altas temperaturas. Estava no museu desde 1888, tendo sido encontrado no interior do estado da Bahia no final do século XVIII.
O fóssil Luzia e as línguas indígenas
Integraram também o acervo inicial do museu uma colecção de objectos mineralógicos doada pelo príncipe da Dinamarca e uma colecção ornitológica oferecida pelo Museu de Berlim. Entre os objectos mais valiosos do museu conta-se o fóssil mais antigo da América Latina, conhecido como Luzia, com quase 12 mil anos.
O museu albergava também o Centro de Documentação de Línguas Indígenas (CELIN), especializado na documentação de materiais linguísticos textuais e sonoros das diferentes línguas indígenas e variedades do português do Brasil.
Só 3000 objectos estavam em exibição permanente e actualmente apenas dez dos seus 30 espaços estavam abertos. Desde 1946 que o Museu Nacional estava associado à Universidade Federal do Rio de Janeiro. “É uma catástrofe insuportável. São 200 anos da herança deste país. São 200 anos de memória. São 200 anos de ciência”, lamentou, ouvido pela TV Globo, outro vice-director do museu, Luiz Duarte. “São 200 anos de cultura e de educação.”