Vinte feridos em confrontos envolvendo a extrema-direita na Alemanha
Polícia diz que não estava preparada para o nível de violência de nacionalistas que perseguiram estrangeiros após notícia de morte de um alemão em Chemnitz, no Leste do país.
As autoridades alemãs preparavam-se esta terça-feira para um terceiro dia de confrontos entre manifestações de extrema-direita e de esquerda na cidade de Chemnitz, no Leste do país, onde os dois dias anteriores foram marcados por violência que deixou 20 feridos – 18 manifestantes e dois polícias.
As manifestações de esquerda começaram na segunda-feira, contra uma onda de ataques e perseguições contra estrangeiros no dia anterior. Tudo teve início devido a um rastilho de “rumores” nas redes sociais, dizem as autoridades, sobre um crime ainda por esclarecer: a morte, por esfaqueamento, de um alemão de 35 anos, na sequência da qual foram detidos dois suspeitos, um iraquiano de 21 anos e um sírio de 22.
“As imagens de pessoas a perseguir outras pessoas que pareciam estrangeiras deixaram-nos assustados. Queremos mostrar que Chemnitz tem outro lado que é cosmopolita e se opõe à xenofobia”, disse Tim Detzner, líder local do partido de esquerda Die Linke, na manifestação de segunda-feira, relata a agência Reuters.
Mais de mil manifestantes de esquerda concentraram-se então em volta da enorme estátua de Karl Marx da cidade (que já teve o nome do teórico comunista durante parte do tempo da então República Democrática Alemã, RDA), e muito perto juntaram-se quase cinco vezes mais manifestantes nacionalistas, com bandeiras alemãs e também da Baviera, um estado vizinho.
Durante o encontro, foram lançados foguetes e cocktails Molotov pelos dois grupos, uns contra os outros, e alguns dos nacionalistas conseguiram quebrar as barreiras policiais e tentar atacar os do lado oposto. Vários dos feridos precisaram de tratamento hospitalar.
No domingo, cerca de 800 manifestantes nacionalistas, incluindo 50 que segundo a polícia estavam prontos para cometer actos violentos, saíram à rua após a notícia do esfaqueamento. A televisão mostrou um vídeo amador de skinheads a perseguir um homem. Pelo menos um sírio, um afegão, e um búlgaro foram atacados e apresentaram queixa à polícia. Dez manifestantes foram acusados por fazer a saudação nazi, ilegal na Alemanha.
A vítima do esfaqueamento, que terá sido precedido por uma luta, cujos motivos não foram ainda esclarecidos, era um carpinteiro, filho de mãe alemã e pai cubano. “É triste que os media só digam que morreu um alemão, e é por isso que os neonazis e os hooligans saíram à rua. Os media deviam descrever quem morreu, e a cor de pele que ele tinha, porque acho que não estariam a fazer isto se soubessem”, disse à Deutsche Welle uma amiga da vítima, Nancy Larssen.
“Demissão do Estado”
A polícia de Chemnitz, citada pela emissora local MDR, diz que não estava preparada para “um número tão grande de participantes” nas acções de domingo.
O diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung critica, em comentário, “a demissão do Estado”, que permitiu a escalada e a violência. Sublinhando que deve ser garantido o direito a manifestar-se, o jornalista Reinhard Müller diz que a linha entre a barbárie e a civilização é ténue e que se há possibilidade de haver motins e perseguições violentas, como em Chemnitz, esta linha foi quebrada. “Quem quer que transforme a raiva em justiça pelas próprias mãos tem de ser castigado”, sublinha. “Só o Estado é responsável pela segurança dos cidadãos.”
Na revista Der Spiegel, a colunista Margarete Stokowski diz que já há muito que há pessoas que se queixam de não se sentirem seguras ao sair numa estação de comboio em algumas cidades do Leste da Alemanha. "É altura de ouvir finalmente estas pessoas", pede a colunista e activista. "E de agir."
Já na emissora Deutsche Welle o jornalista Hans Pfeifer vai mais longe e critica a “falta de vontade” de intervir das forças de segurança. A presença, força, e capacidade de mobilização da extrema-direita na cidade não é nada de novo, sublinha Pfeifer. A polícia simplesmente desvalorizou o perigo. Porquê? Porque “a maioria dos políticos e funcionários públicos não são o primeiro alvo da extrema-direita”, argumenta. O que falta às autoridades “é empatia com as vítimas”.
A polícia alemã já foi várias vezes acusada de ser “cega do olho direito”, ou seja, de desvalorizar sistematicamente motivações racistas e xenófobas de crimes, o que aconteceu de modo especial nos crimes da chamada “NSU”, um grupo de extrema-direita que durante mais de dez anos matou dez pessoas, na maioria turcas, com a polícia sempre a suspeitar que as vítimas poderiam pertencer a organizações criminosas e que esse seria o motivo das suas mortes.
Mas Pfeifer argumenta que o que aconteceu em Chemnitz não é um ataque contra estrangeiros, ou contra a extrema-esquerda: é um ataque à própria democracia e ao Estado de direito.
O porta-voz da chanceler, Angela Merkel, reagiu nesta linha. “Não serão toleradas reuniões ilegais e a perseguição de pessoas que pareçam diferentes, nem tentativas de espalhar o ódio pelas ruas”, afirmou Steffen Seibert.
O silêncio inicial do ministro do Interior, Horst Seehofer, foi fortemente criticado por vários partidos – os Verdes já o consideraram “escandaloso”. O ministro falou entretanto esta terça-feira pelas 12h, dando o apoio da polícia federal às autoridades da Saxónia.
A Saxónia é um estado federado em que a extrema-direita sempre teve força – era um dos dois em que o partido de extrema-direita NPD tinha deputados no parlamento estadual até 2014, quando os perdeu. A AfD (Alternativa para a Alemanha), com Frauke Petry como cabeça de lista (ocupou mais tarde a liderança do partido, saindo após as eleições de 2017), conseguiu 9,7% da votação em 2014, esperando-se que suba nas próximas eleições. A capital do estado federado é Dresden, a cidade onde começaram, e ganharam força, as manifestações do movimento anti-islão Pegida.