Manifestação do Pegida põe à prova política para os refugiados de Merkel
Alemães duvidam da capacidade do seu país em absorver tantos requerentes de asilo e sobre o bom senso da sua chanceler, que agora apenas 37% apoiam.O movimento xenófobo aproveita-se.
"Merkel tem de se ir embora", gritam os apoiantes do Pegida em Dresden esta segunda-feira, na grande manifestação com que o grupo este grupo anti-imigração e anti-islão está a comemorar o seu primeiro aniversário. A política de portas abertas aos refugiados da chanceler alemã Angela Merkel, inflexível perante muitas hesitações e manifestações de egoísmo de outros líderes europeus, está ter o seu preço: pela primeira vez, a maioria dos alemães tem uma opinião negativa sobre a forma como conduz o país, e movimentos racistas e potencialmente violentos, como o Pegida, ressurgem com renovada força.
Os alarmes estavam todos a vermelho para esta manifestação: 15 mil, 20 mil pessoas eram esperadas para esta iniciativa do grupo que se autodenomina Europeus Patrióticos contra a Islamização do Ocidente (Pegida). Após um período em que entrou em declínio, a vaga de refugiados do Médio Oriente fê-lo ganhar nova força e o apoio de outros líderes de extrema-direita europeus, como o holandês Geert Wilders, foi fundamental. Nas últimas semanas, este movimento nascido no Leste da Alemanha tem conseguido juntar entre 7000 e 9000 pessoas em manifestações semanais, à segunda-feira, em Dresden.
Segundo a televisão regional MDR, foram destacados 1300 agentes para manter a ordem na manifestação, que inclui um contra-protesto que parece ter juntado 14 mil pessoas pessoas e não apenas as seis mil que eram esperadas, a favor da imigração, segundo a agência alemã DPA. Já houve vários incidentes, com agressões e feridos, em ambos dos lados, no centro de Dresden, relata o canal.
Um operador de camara que estava a trabalhar para a televisão por cabo russa RT foi agredido, alegadamente por elementos da Pegida, diz a RT.
As autoridades tinham lançado alertas, tentado afastar as pessoas das manifestações. “Não sigam os preconceituosos, os que têm ódio no coração”, declarou o porta-voz da chanceler, Steffen Seibert. Com o país ainda em choque por causa do ataque à faca devido a “motivações racistas” contra Henriette Reker, a candidata entretanto eleita presidente da câmara de Colónia, que se destacava na coordenação do acolhimento aos refugiados, o receio de ataques semelhantes é bem real.
Nas manifestações anteriores do Pegida surgiram forcas com cartazes atados ao nó, dizendo “Reservado para Angela Merkel” e “Reservado para Sigmar Gabriel”, o ministro da Economia e líder do SPD (o Partido Social Democrata alemão, de centro-esquerda, o aliado de Merkel na grande coligação que governa a Alemanha). O Comissário para os Direitos Humanos do Governo alemão considerou que era “um apelo à violência” e que tinham sido excedidos os limites da liberdade de opinião e manifestação.
A agência de informação interna mantém o Pegida debaixo de olho. “A exibição das forcas na semana passada é um exemplo claro de que o potencial de agressão desde grupo está a aumentar”, disse um porta-voz. O fundador desta formação, Lutz Bachmann, foi acusado pelo Ministério Público alemão de incitação ao ódio, de insultar refugiados de guerra e requerentes de asilo na sua página do Facebook, usando palavras como “lixo” e “gado”.
"Já não há qualquer dúvida de que aqueles que organizam os protestos do Pegida são verdadeiros radicais de extrema-direita", afirmou o ministro do Interior, Thomas de Maizière.
O movimento, que se fragmentou em vários grupos durante este ano, mantém-se fechado e nada aberto à "imprensa mentirosa". Sobretudo o seu fundador, Bachmann, raramente deixa brilhar a luz dos media sobre si.
Acabou a fé cega
Alguns sectores nunca aceitaram bem a abertura do país aos refugiados do Médio Oriente, mas estes inicialmente foram recebidos com brinquedos, fruta e doces nas estações de comboio. Mas as dificuldades logísticas, sobretudo a falta de locais para as alojar –– estão a assustar os alemães, confrontados com a possibilidade bem real de ter de receber pelo menos um milhão de pessoas até ao final do ano.
Dados relativos a 9 de Outubro mostram que 45% dos alemães acreditam que o seu país conseguirá lidar com o grande número de refugiados que estão a chegar, mas 51% duvida. É uma grande mudança relativamente a Setembro, quanto 57% acreditava que a Alemanha conseguiria absorver todos os pediam asilo.
Tanto assim é que, no fim-de-semana, a sondagem semanal Emnid revelou que o apoio ao Governo caiu para 37% - em meados de Setembro, ainda tinha 41% de apoio. “Merkel está a lutar para manter o poder”, titulava o Bild am Sonntag, um jornal de massas alemão.
O título não deixa de ser sensacionalista – até porque Merkel não tem um rival óbvio. Mas ilustra as dificuldades da chanceler. “A sua abordagem à crise dos refugiados, simbolizada por frases como ‘podemos fazê-lo’ e ‘o direito ao asilo não tem fronteiras’ está a ter um preço alto para a antes muito elogiada rainha das sondagens”, escreve o jornal Tagesspiel. Segundo dados do INSA, outro instituto de sondagens, citados pela revista Focus, cerca 33% dos alemães considera que Merkel devia demitir-se.
“Até agora, os alemães tiveram uma fé quase cega na chanceler. Esta é a primeira vez que a maioria da população está contra ela. Muitas pessoas consideram que ela não está a fazer a coisa certa”, comentou ao Tagesspiel Werner Patzeit, investigador na Universidade Técnica de Dresden.
Tanto assim é que, quando a UE protesta contra os muros construídos pela Hungria para tentar travar os migrantes, o líder sindical da polícia veio defender que a Alemanha precisa de construir também uma vedação ao longo das suas fronteiras se quiser de facto travar o fluxo migratório.