Sabrina, a novela gráfica que já é protagonista do Booker 2018
Ainda é cedo para conhecer a carreira de Sabrina na edição deste ano do Man Booker Prize, mas a novela gráfica de Nick Drnaso, americano de 29 anos, está a concentrar em si a atenção do mundo literário.
No princípio do livro houve um estado de paranóia pessoal. Nick Drnaso, um cartoonista de Chicago agora com 29 anos, vivia em ansiedade extrema quando começou a pensar numa história que congregava todos os ingredientes da paranóia global do nosso tempo. O que acontece quando alguém muito próximo é alvo do escrutínio dos media, das redes sociais, da voragem especulativa que atravessa o universo da Internet contaminando as mentes e o quotidiano? É a pergunta que ecoa em Sabrina, título de um livro e nome de uma mulher que desaparece fisicamente sem deixar rasto. No lugar desse vazio fica o teatro da grande paranóia global e o pesadelo para os mais próximos. No caso, a irmã e o namorado.
Sabrina é o livro que pôs o nome de Nick Drnaso nos media que ele mesmo escrutina. Tudo porque ficou à frente de nomes como Allan Holinghurst, Julian Barnes ou Peter Carey — todos ex-vencedores — na lista de candidatos a ganhar a edição de 2018 do Man Booker Prize e a receber elogios de outros nomes famosos das letras, como Zadie Smith ou George Saunders, o vencedor de 2017, com o romance Lincoln no Bardo.
A atenção sobre Drnaso começou, no entanto, antes do anúncio da long-list do Booker. Em Maio, quando publicou no New York Times a crítica a Sabrina, o escritor e jornalista Ed Park alertava para uma das perplexidades possíveis perante a leitura desta novela gráfica: “como é que se pode ilustrar uma ausência afectiva?” E sob essa interrogação escrevia sobre a pertinência de ler Sabrina e aguçava a curiosidade para o que lá vinha. Recorrendo a desenhos com traços muito simples, enorme contenção e um enredo que parece pouco elaborado à partida, Drnaso [lê-se mais ou Durnasso] narra o desaparecimento de uma jovem mulher. O mistério era o alimento de que Drnaso precisava para explorar algumas das grandes questões do nosso tempo.
Nas cenas iniciais, Sabrina está em casa dos pais, em Chicago, quando a irmã mais nova, Sandra, a visita com uma proposta: que tal as duas passarem uns dias no Lago Michigan? Sabrina acha boa ideia. Sair da cidade, dar umas voltas de bicicleta, afastar-se da Internet. Fica combinado, sem que Sandra possa imaginar que nunca mais irá ver a irmã. Sabrina desaparece misteriosamente e o livro centra-se na narrativa mediática, social, afectiva e política que se vai construindo à volta dessa ausência súbita, com Drnaso, através dos desenhos e de diálogos apurados ao longo de 200 páginas, a lançar pistas para uma reflexão sobre conceitos como os de verdade e mentira, medo e vazio, ilusão e convencimento num tempo dominado pelas redes sociais e pela capacidade de manipulação tecnológica.
Este é o presente de Sabrina, o mesmo tempo presente da América de Trump e também o presente do mundo em que vivemos, com cada um dos que lêem o livro a partilharem a incómoda sensação de se reverem na consciência de perigo, na ambiguidade existencial entre serem, em simultâneo, vítimas e agentes de manipulação e de propagação de rumor, ou serem pares no sentimento de abandono e de dor diante do desaparecimento inexplicável de alguém que amam.
De forma sintética — porque qualquer explicação pode interferir na leitura deste livro cirurgicamente pensado — são estes os ingredientes de Sabrina, a primeira novela gráfica a surgir nas listas de livros seleccionados para o Man Booker Prize; uma estreia no momento em que se assinalam 50 anos de um dos prémios literários mais prestigiados do mundo. O facto é inédito e tem merecido a atenção de modo a lançar a discussão sobre a hipotética abertura da literatura a géneros considerados menos convencionais ou mais desafiadores do cânone. Ao mesmo tempo alerta para a qualidade de obras em áreas mais à margem do mainstream, como são as novelas gráficas.
Quem está ligado a este tipo de criação aplaude a decisão de integrar Sabrina na long-list do Booker, não apenas pelo valor literário da obra mas também pelo sinal que o establishment literário parece dar com essa inclusão: o de chamar atenção para linguagens literárias fora do circuito dos grandes prémios e da dita “literatura séria”. Enquanto isso, os mais ortodoxos vão torcendo o nariz. Entretanto, o discreto Nick Drnaso vai cedendo à exposição
Este é o segundo livro do cartoonista de Chicago, admirador confesso de Chris Ware, o ilustre cartoonista de Nova Iorque que no ano passado lançou a memória gráfica Monograph. Antes de Sabrina houve Beverly (2016), colecção de contos que a crítica então aplaudiu, referindo-o como um livro incómodo sobre a actualidade e a comparação com universos criativos como o de George Saunders. Drnaso já conquistara a admiração de alguns, agora os holofotes estão sobre ele. É cedo para saber se Sabrina será o vencedor do Booker. Antes terá de passar mais uma fase, integrar a short-list que será conhecida em meados de Setembro, mas Nick Drnaso já está a fazer história e a ser protagonista de debates literários inéditos.