O Governo e a mania da perfeição que não existe
Sim, o Governo fez muito para evitar a repetição do horror de 2017; e sim, o Governo cometeu erros que ajudam a explicar Monchique. Ficar-lhe-ia bem reconhecer esta dupla condição
É fácil apontar o Governo como o principal culpado pelo descontrolo no combate ao incêndio de Monchique. É fácil e, para muitos, útil. Basta para que de forma rápida e eficaz se encontre uma explicação e um culpado para a tragédia e há-de ser suficiente para sublimar o esquecimento a que votámos a floresta durante décadas. Essa expiação, porém, nem é séria. Nem justa. O Governo empenhou-se como nenhum outro em forçar a limpeza das matas, mobilizou recursos como nenhum outro para criar infra-estruturas nos espaços florestais e colocou como nenhum outro a defesa da floresta no centro do debate político. Fê-lo, dir-se-á, a reboque da tragédia do ano passado e da pressão do Presidente da República. É verdade. Mas se houve um pequeno assomo de mobilização nacional em torno da floresta, esse momento aconteceu nos últimos meses.
Esse reconhecimento, porém, não nos deve levar a aceitar como normais os erros da cadeia de comando do combate aos fogos tutelada pelo ministro Eduardo Cabrita ou os supostos desmentidos do secretário de Estado Miguel Freitas sobre os atrasos no projecto de intervenção dos produtores florestais do Barlavento algarvio na zona de Monchique. É possível olhar para o que se passou sem cair na cilada da luta partidária e manter a certeza de que o Governo podia e tinha o dever de fazer mais. Não se pode exigir a penitência de um ministro porque a estrutura profissional que comanda o combate aos incêndios foi incompetente nem se pode exigir a um secretário de Estado que responda pela ineficiência burocrática dos directores de serviços de institutos sob a sua tutela. Mas, agora como no ano passado, não se pode também tolerar o abuso da propaganda para se eximirem às suas responsabilidades.
Se é verdade que este Governo fez muito para evitar a repetição do horror de 2017, podia ter feito mais para antecipar a tragédia de Monchique. Podia ter montado uma estrutura de comando operacional para combater o fogo muito mais eficaz e competente. Podia ter feito mais para reforçar a prevenção. Assumir estas culpas apenas reforçaria os méritos da sua atitude geral para com o problema. Mas, ao reclamar para si a perfeição que não existe, o Governo apenas alimenta a trica política e deixa o debate fugir do essencial. E o essencial é simples e óbvio: ainda há muito a fazer para evitar a destruição das nossas florestas.