Pela primeira vez, preenchi um formulário de denúncia no Observatório da Discriminação. Em causa está um episódio que vivi na noite de 26 de Julho, no Cais do Sodré, em Lisboa. Fui insultado e ameaçado por ter beijado um homem. O homem que me insultou parecia mais velho do que nós e trazia uma garrafa de cerveja na mão. Sem que nada o fizesse prever, agarrou o rapaz com quem eu estava com muita força e ameaçou agredi-lo com a garrafa de vidro. Estava acompanhado por um outro indivíduo que não interveio. Tive medo e senti-me inseguro. Conseguimos fugir depois de vários insultos e algumas ameaças.
Agora, já dormi sobre o assunto. Já revi os pormenores de todo o episódio. Já o contei aos meus mais próximos. E já fiz a denúncia no Observatório da ILGA. Porque tem de ser. Opto por não apresentar queixa nas autoridades por não conseguir identificar o agressor e não existirem vestígios físicos. É uma opção minha, porque, mesmo na situação descrita, tenho o direito de apresentar queixa formal, está previsto na lei. O que esteve em causa foi a minha — nossa — segurança, mas não só. A nossa liberdade esteve, igualmente, ameaçada.
Depois do que vivi esta noite, debrucei-me sobre as questões da homofobia em Portugal. Sou um sortudo: nunca havia passado por uma situação semelhante. Sempre me senti respeitado, valorizado e integrado, quer em termos pessoais, como profissionais. Até esta noite. Percebi, entretanto, que no ano passado, segundo os dados divulgados pela ILGA, foram feitas 188 denúncias de discriminação em função da orientação sexual. Os números representam um aumento face a 2016. É mau existirem mais situações, mas é bom que sejam reportadas. Ainda assim, com a certeza de que a maioria das vítimas não faz denúncia. Porque não é fácil assumir-se como tal, porque “é melhor nem pensar no assunto”, porque “não adianta de nada”, porque “foi só mais uma boca”. E tudo isso reforça a urgência de se trilhar um caminho sério de políticas públicas contra a homofobia, a transfobia e os crimes de ódio. Algo que não está a ser feito. É exigente e complexo, mas, também, muito necessário.
Este texto não quer ser mais do que um incentivo para que se denunciem casos similares. A homofobia existe, o preconceito existe. É essencial denunciar, tanto quanto acreditar que, um dia, poderá deixar de existir. Atribuo a este episódio a importância que teve, não mais que isso. Já passou. Ninguém ficou ferido. Fica a memória do dia em que me senti atacado por ser quem sou, como sou. Nunca o havia sentido de forma tão invasiva. Com tudo isto, reforço a certeza de que esta é a minha pele, a minha verdade. Sou eu. Inteiro. Com muitos beijos dados nas ruas de Lisboa, ao longo dos anos. A homens. Sem medo, sem vergonha. Tal como continuará a ser. Porque o ataque gratuito do qual fui vítima não apaga a vontade de dar mais beijos. No final, guardo a pergunta da Patrícia: "O beijo, ao menos, foi bom?". Foi.