Grécia: No dia seguinte, à procura de desaparecidos em casas calcinadas
Estima-se que haja até 100 desaparecidos. "As pessoas querem que movamos montanhas", diz voluntário de equipa que está a fazer buscas porta a porta.
Equipas de socorro faziam nesta quarta-feira buscas casa a casa nas zonas devastadas pelos incêndios que fizeram pelo menos 81 mortos na Grécia, enquanto as autoridades não arriscavam dizer quantos desaparecidos há. Para além deste esforço, havia apelos nos media e nas redes sociais: um pai procurava as filhas que acreditava ter visto com vida em imagens na televisão, uma família irlandesa procurava um recém-casado em lua-de-mel – a noiva foi encontrada numa unidade de queimados, ele morreu.
Se não há um número oficial de desaparecidos, os bombeiros apontavam para até uma centena. Dionysis Tsiroglou faz parte de uma equipa de voluntários que está a fazer estas buscas. “Estamos a ir a todas as casas, a todos os locais onde pensamos que possa haver alguém encurralado, queimado, desaparecido”, contou à Reuters. “Os familiares pedem-nos que movamos montanhas - “quero a minha tia, o meu tipo, o meu filho, a minha filha… Até agora, as nossas buscas foram infrutíferas.”
Já sobre os feridos, as autoridades anunciaram que dos mais de 180, 70 estavam ainda hospitalizados e 11 encontravam-se em estado crítico.
Segundo as primeiras estimativas das autoridades, há mais de 2500 casas ficaram totalmente destruídas e quatro mil muito danificadas. Em Mati, a maior localidade e onde morreu mais gente, ainda não havia água nem electricidade.
No dia em que o número de mortos chegou aos 81, tornando os incêndios da região de Ática os piores desde que há registo, os bombeiros apontavam o dedo à falta de planos de emergência, diz o diário grego Kathimerini. Alguns membros do Governo sugeriram que poderia tratar-se de fogo posto já que houve vários focos em três frentes diferentes, mas os bombeiros dizem que não é raro haver vários focos quase simultâneos.
Um vento forte e a mudar de direcção fez com que uma das frentes avançasse muito mais depressa do que o esperado e terá contribuído para o número de vítimas.
Um juiz do Supremo Tribunal abriu uma investigação à causa dos incêndios.
Solidariedade única
“O pior desta catástrofe é que toda a gente aqui sabe que é simplesmente uma questão de sorte não termos tido mais vítimas ao longo dos anos”, comentava no Twitter o jornalista grego Yannis Baboulias.
Nas regiões afectadas as estradas são tortuosas e as casas estão no meio da vegetação, com muitos pinheiros que ardem facilmente.
No Twitter, Stratos Safioleas contou como chegou ao que era um dos seus lugares favoritos, em Mati, a leste de Atenas. “Num dia bom, dois carros que se cruzassem indo em direcções opostas tinham de manobrar com cuidado. Ontem vi uma zona de guerra”, descreveu, mostrando uma imagem de filas de carros calcinados, postes eléctricos caídos. E um pormenor: em alguns, o alumínio das jantes derretera, estava espalhado em veios pela terra batida.
Safioleas, que é responsável por uma empresa de comunicação, também mostrou num vídeo os caminhos tortuosos para chegar à praia, “difíceis de encontrar num dia bom, impossíveis de encontrar se estiverem cobertos de fumo denso”.
Centenas de pessoas ainda conseguiram chegar à praia, e muitas destas entraram na água e sobreviveram - há relatos de pessoas que passaram até cinco horas no mar antes de serem resgatadas. Uma sobrevivente contou que teve de ir para águas profundas, mais perto da praia a água estava demasiado quente e caíam fagulhas a arder dos pinheiros.
O grau de horror da situação provocou uma onda de solidaridade sem precedentes, diz o Kathimerini. Havia filas de pessoas a querer dar sangue em vários hospitais, pessoas que abriram as suas casas a quem não tinha onde ficar, e em muitos locais refugiados participaram no esforço de ajuda a cozinhar para os afectados, ou a ajudar na distribuição.
Países com quem a Grécia tem tido desacordos recentemente enviaram mensagens de solidariedade e auxílio: na Turquia, o jornal Cumhurryiet dizia, na primeira página, “partilhamos a vossa dor”; a Macedónia anunciou o envio de cem mil euros de ajuda.
Resposta política
Enquanto isso, o principal partido da oposição, a Nova Democracia, reunia-se para definir uma resposta aos incêndios, ouvindo o especialista Costas Sinolakis, da Universidade Técnica de Creta (que apontou problemas como a construção ilegal e desordenada o que faz com que não haja planos de emergência).
O problema será antigo, da altura em que a Nova Democracia e o Pasok (centro-direita e centro esquerda) iam ocupando, alternadamente, o Governo. O Syriza está no poder desde 2015, mas o seu Governo também foi criticado pela resposta lenta. Há também quem aponte o dedo aos cortes impostos pela austeridade que poderão ter piorado a capacidade de resposta: por exemplo, diz o jornal El País, em 2017 expiraram os contratos de quatro bombeiros e apenas 2160 foram renovados.
O líder da Nova Democracia, Kyriakos Mitsotakis, disse na terça-feira que a altura não era de encontrar culpas e que as prioridades eram “unidade e solidariedade”. O seu partido conservador foi já punido quando esteve no Governo pelos incêndios de 2007 na região do Peloponeso, que foram os piores até esta semana. O então primeiro-ministro, Kostas Karamanlis, antecipou as eleições, que ainda venceu por uma curta margem; mas dois anos depois voltou a ter de antecipar a votação e desta vez perdeu para o Partido Socialista.
Pouco depois do encontro da Nova Democracia, reunia-se o gabinete de crise do Governo, com autoridades locais e a protecção civil, para anunciar medidas de apoio imediatas para as vítimas, que incluem uma verba de cinco mil euros para cada família e pessoa afectada, oito mil para empresas, e cortes fiscais imediatos. Vão ainda ser congeladas as vendas de casas por incumprimento dos créditos até ao final de Setembro, por exemplo.
Nas redes sociais, eram partilhadas imagens do antes e depois de locais preferidos: antes verde e mar turquesa, agora cinza e mar escuro. Um idoso de Mati foi a casa com a mulher buscar algumas coisas que deixou com a pressa para fugir do fogo, e contou como viveu ali nos últimos 60 anos. “Tenho 82 anos. Já não devo viver o suficiente para ver a minha Mati verde de novo.”