Casas sem licença e falta de planeamento urbano por trás do “desastre à espera de acontecer”
A zona onde ocorreram os incêndios na Grécia era densamente habitada e de difícil acesso, mesmo em condições normais, diz um especialista grego em desastres naturais.
Os incêndios que mataram mais de 70 pessoas a leste de Atenas eram um “desastre à espera de acontecer”, diz ao PÚBLICO o engenheiro especializado em desastres naturais da Universidade Técnica de Creta, Costas Sinolakis. As mortes ocorreram quando as chamas atingiram uma área onde a maioria das habitações foi construída sem licenças e, por isso, sem qualquer plano de evacuação, dificultando qualquer tentativa de resgate.
Na região de Ática são comuns os incêndios florestais no Verão, mas raramente com este nível de mortalidade. Desta vez, o fogo alastrou-se a uma zona densamente habitada, onde existe uma “semifloresta” de pinheiros mansos, que ardem rapidamente, diz o professor universitário. Outros incêndios, como em 2007 e 2009, atingiram sobretudo áreas mais elevadas, onde a vegetação arde mais lentamente.
Porém, para Sinolakis, o grande problema é a ausência de planos de evacuação para as zonas afectadas. Mati é uma estância balnear a poucas dezenas de quilómetros de Atenas, onde muitos habitantes da capital têm residências de férias, a maioria das quais construídas sem qualquer licença, diz o professor. “Não houve planeamento urbano, não há uma rua principal, os arruamentos são muito estreitos”, descreve o docente da Universidade Técnica de Creta, que diz que até os sistemas de GPS erram ao indicar os caminhos nesta zona.
“Mesmo em condições normais é uma área muito difícil para nos deslocarmos, agora imaginem retirar centenas de pessoas à noite, sem se saber por onde ir”, acrescenta.
À construção ilegal junta-se a ausência de planos de emergência, algo que, diz Sinolakis, acontece em quase todas as zonas costeiras da Grécia. “Não havia rotas de saída para as pessoas. É preciso ter este tipo de planos, que indiquem quais são as saídas de emergência, quais os pontos de evacuação nas praias.”
As únicas regiões balneares onde existem este tipo de plano são aquelas onde a União Europeia organizou exercícios de protecção civil, como aconteceu em 2014. “O sistema de protecção civil grego está totalmente focado em lutar contra incêndios, mas ignora todos os outros aspectos de prevenção”, diz Sinolakis.
As medidas de austeridade aplicadas na última década por sucessivos governos no contexto da crise financeira do euro também tiveram um impacto na capacidade da protecção civil, mas Sinolakis defende que os planos de evacuação podiam ter sido feitos pelas autarquias.
O professor também considera que as autoridades da protecção civil demoraram demasiado tempo a emitir uma ordem de retirada das pessoas. “Havia muito vento e a ordem deveria ter sido divulgada logo após o início dos fogos”, afirma.
O especialista entende não ser muito plausível a tese de fogo posto, que é uma das linhas de investigação que está a ser avançada pela imprensa grega. “O fogo posto normalmente é motivado pela venda de terrenos, mas ninguém iria beneficiar com estas terras, uma vez que elas já estão ocupadas e já são propriedade de alguém”, conclui.