Israel acusado de tornar constitucional discriminação de quem não é judeu

Associações como a Human Rights Watch, políticos da União Europeia e organizações que representam a minoria árabe expressaram preocupação com efeitos da lei que declara Israel o “Estado do povo judaico” e no qual apenas este tem “direito de autodeterminação”.

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Árabes e judeus em Jerusalém: os primeiros dizem que a discriminação fica legalizada Jim Hollander/Reuters

Após oito horas de debate no Parlamento (Knesset), e sete anos após ter sido proposta pela primeira vez, a Lei do Estado-nação, ou melhor a “Lei básica: Israel como o Estado-Nação para o povo judaico”, foi aprovada com 62 deputados a favor e 55 contra. Houve duas abstenções, uma delas de Benny Begin, filho do antigo primeiro-ministro Menachem Begin que foi fundador do Likud.

A lei, promovida precisamente pelo Likud, diz que “Israel é a pátria histórica do povo judaico e, nela, ele tem um direito exclusivo à autodeterminação nacional”, segundo a tradução para inglês do diário hebraico Ha’aretz. Consagra Jerusalém “unida” como capital – ignorando a pretensão dos palestinianos a Jerusalém Oriental – e define que o hebraico é a única língua oficial, diminuindo o estatuto do árabe, que de oficial passa a ter um estatuto protegido.

A lei, que tem valor constitucional (Israel não tem uma constituição, mas sim uma série de leis básicas) também define a bandeira e a menorah  (candelabro de sete braços) como símbolo do Estado, decreta que o Shabbat  e as festas judaicas são feriado (os não-judeus terão direito a descanso nos seus dias santos), e define que o Estado irá trabalhar com a diáspora para preservar a afinidade entre Israel e o povo judaico e a tradição e cultura histórica e ideológica dos judeus na diáspora.

Também declara que o Estado dá “valor nacional” ao “estabelecimento de comunidades judaicas” e irá “encorajar e promover o seu estabelecimento e consolidação”.

Na proposta de lei, que levou meses a ser discutida, chegou a ser proposto que o Supremo Tribunal avaliasse as leis tendo como primeiro critério o carácter judaico do Estado e depois o democrático, mas esta cláusula foi das primeiras a cair. A última a cair foi a que dizia que a lei judaica seria usada como precedente em casos em que não houvesse precedentes na lei civil, e a cláusula sobre as comunidades foi alterada – antes a proposta previa que fosse possível o estabelecimento de “comunidades homogéneas” de religião ou nacionalidade, o que levou a avisos de que a lei seria revertida pelo Supremo por permitir discriminação.

Mas críticos da lei dizem que mesmo sem esta cláusula a lei continua a permitir discriminação. “A Lei do Estado-nação codifica com mandato constitucional o que guiou a política israelita durante anos: a supremacia judaica sobre os palestinianos, que são 50% da população entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo [território que inclui Israel e os territórios ocupados da Cisjordânia e da Faixa de Gaza] e 20% em Israel”, declarou Omar Shakir, representante da Human Rights Watch em Israel. “Esta é a lógica por trás de um regime de discriminação institucional e de abuso sistemático dos direitos.”
A organização Adalah, de defesa dos direitos dos árabes israelitas, disse que a lei é uma tentativa de “conseguir superioridade étnica” através de “medidas racistas”.

Uma minoria

Os árabes israelitas são a maior minoria, representando cerca de 20% da população de Israel. Muitos são descendentes dos que se mantiveram no recém-criado Estado de Israel em 1948 – muitos outros fugiram ou foram levados a sair das suas casas.

A lei responde ao medo de que Israel possa ver ameaçado o seu carácter judaico à medida que a solução de dois Estados, em que seria criado um Estado palestiniano ao lado do hebraico, pudesse levar os judeus a ficar em minoria.

O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu (Likud), declarou que este é um dos momentos chave do país. “Viva o Estado de Israel”, disse, acrescentando que “122 anos depois de [Theodor] Herzl ter divulgado a sua visão, esta lei determina o princípio fundador da sua existência; Israel é o Estado-nação do povo judaico e respeita os direitos de todos os seus cidadãos”.

A lei estabelece “a supremacia judaica e diz-nos que seremos sempre cidadãos de segunda”, enunciou o deputado árabe israelita Ayman Odeh, da Lista Árabe Unida.

O académico Mordechai Kremnitzer declarou no Ha’aretz que a aprovação desta lei “faz com que a discriminação seja constitucional” e lança o país no caminho da aplicação em Israel de políticas já seguidas nos territórios ocupados. Já o colunista do mesmo jornal Abed L. Azab disse que “enquanto árabe” apoia esta lei pois ela “não tenta fazer com que Israel pareça um país democrático normal”.

O árabe, apesar de língua oficial, explica Azab, não é usado nos serviços públicos, onde é raro quem o fale com fluência, e os árabes israelitas são alvo de discriminação sistemática no acesso a bolsas de estudo, empregos, e até habitação. As comunidades de maioria árabe recebem sistematicamente menos verbas para saúde ou educação, sublinhou.

A associação Adalah compilou no seu site uma lista de 65 leis que discriminam os árabes israelitas ou os palestinianos nos territórios ocupados. Há alguns meses, a organização de defesa dos direitos humanos Amnistia Internacional lançou um site para denúncia destas discriminações, classificando-as como sistemáticas.

A aprovação da lei do Estado-nação motivou críticas também de fora do país. A União Europeia expressou preocupação, que já foi transmitida "às autoridades israelitas", disse uma porta-voz da responsável pelas relações externas Federica Mogherini. Na diáspora, uma série de organizações judaicas americanas também tinham pedido ao Parlamento para não aprovar a lei.

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