Israel debate criação de comunidades só de judeus

Na próxima semana, o Parlamento do Estado hebraico pode votar lei que inclui possibilidade de haver comunidades de uma só nacionalidade ou etnia. “Não há nenhuma cláusula equivalente em nenhuma Constituição do mundo”, disse conselheiro legal do Knesset.

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Judeus ultra-ortodoxos em Jerusalém. O Presidente diz que uma proposta de lei em discussão pode permitir discriminação mesmo entre judeus RONEN ZVULUN/Reuters

Uma lei que estabelece a possibilidade de ter comunidades homogéneas, de uma só nacionalidade ou etnia, em Israel está prestes a ser votada pelo Knesset (Parlamento). Mas várias figuras, desde o Presidente da República até ao conselheiro legal do Parlamento, já avisaram contra a aprovação desta medida.

O Presidente, Reuven Rivlin, deu o raro passo de mandar uma carta aos deputados avisando para o que considera serem problemas graves na proposta de lei, que terá, se aprovada, o estatuto de lei fundamental (Israel não tem uma Constituição mas sim uma série de leis fundamentais).

Rivlin contraria assim o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que é um acérrimo defensor da lei (ambos são do mesmo campo político, do Likud, de direita). Netanyahu quer aprovar esta lei já na próxima semana, antes das férias do Parlamento.

A proposta mais problemática, e que motivou a carta do Presidente, é a cláusula 7b, segundo a qual “o Estado pode permitir que comunidades compostas por pessoas da mesma fé ou nacionalidade mantenham uma comunidade exclusiva”.

Para Rivlin, esta esta cláusula “pode prejudicar o povo judaico, os judeus pelo mundo, e o Estado de Israel”. 

“Queremos mesmo, em nome da visão sionista, contribuir para a discriminação de um homem ou uma mulher baseados na sua origem?”, questionou o Presidente, citado pelo jornal Times  of Israel, acrescentando que a lei permitirá “a qualquer comunidade, sem qualquer limite ou equilíbrio, estabelecer uma comunidade sem mizrahim  [judeus do Médio Oriente], sem ultra-ortodoxos, sem drusos, sem pessoas LGBT”.

Tal como está formulada, a lei poderá, continuou Rivlin, “servir de arma aos inimigos” de Israel. Assim, o Presidente pediu aos deputados “que não aprovem esta lei com esta cláusula incluída”.

O judaísmo já tem presença nas leis de Israel, e há vários aspectos da vida que são controlados pelas autoridades religiosas, como o casamento. São elas também que certificam a conformidade por exemplo de restaurantes com as regras do judaísmo (se são kosher).

Mas as actuais 11 leis fundamentais, lembra o diário Times of Israel, definem sobretudo o papel de instituições como o Parlamento ou os tribunais.

O conselheiro legal do Parlamento Eyal Yinon publicou, pouco depois, uma opinião legal sugerindo que é pouco provável que a lei passe pelo Supremo Tribunal com aquela cláusula. “Não há nenhuma cláusula equivalente em nenhuma Constituição do mundo”, sublinhou.

A cláusula, declarou pelo seu lado Eyal Zandberg, da Procuradoria-geral, citado pelo diário Ha'aretz, “quer dizer que as comissões de selecção de residentes possam pôr um sinal à entrada a dizer: 'quem não é judeu não pode entrar'”. 

"Proteger a maioria"

O partido Likud, de Benjamin Netanyahu, tenta há anos aprovar uma lei para fortalecer o carácter judaico do Estado de Israel. Já em 2014 Netanyahu justificava esta lei com a necessidade de “criar um equilíbrio” entre o carácter “judaico e democrático” de Israel. Para o primeiro-ministro, “há um desequilíbrio entre os direitos individuais e os direitos nacionais em Israel.”

O principal apoiante da lei no Likud, Avi Dichter, diz que os direitos dos judeus – apesar de serem a maioria no Estado –, não estão suficientemente protegidos. Em resposta ao Presidente, Dichter recusou que a lei discriminasse minorias. Impede sim a discriminação da maioria, defende. “A proposta diz o óbvio, mas até o óbvio precisa de ser dito: a maioria também tem de ter direitos em Israel, até os judeus”, disse Dichter.

Para os seus apoiantes, a lei apenas fortalece o carácter judaico do Estado de Israel. Estipula ainda que o hebraico é a única língua oficial (o árabe, falado por cerca de um quinto da população, seria relegado para língua com estatuto especial mas não oficial), e que os juízes podem procurar precedentes nas leis judaicas caso não tenham indicações na lei israelita.

Mas as críticas não vieram só de Israel. Nos EUA, o jornal Washington Post fez um artigo intitulado: “Judaico ou democrático? Israel debate os seus princípios fundadores”. Entre várias reacções negativas citadas pelo Post estava a do rabino Rick Jacobs, presidente da União do Judaísmo Reformista. "A lei – disse – dá poder aos nossos inimigos, enfraquecendo os argumentos que usamos, todos os dias, a favor de Israel na América”.

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