Estado atribui carros topo de gama a 23 ex-gestores do BPN
Dezenas de altos quadros da empresa que herdou a gestão das dívidas do BPN têm ao seu dispor carros topo de gama, com várias regalias associadas.
A empresa pública Parvalorem atribuiu a um grupo de altos quadros da empresa, ex-responsáveis do antigo BPN, 23 “viaturas familiares” topo de gama, a quem paga ainda o combustível até 300 euros por mês, bem como seguros e parques de estacionamento. As conclusões constam da auditoria da Inspecção Geral das Finanças à Parvalorem, que identifica práticas salariais em linha com as que estavam em vigor no BPN, antes da nacionalização.
No seu relatório sobre a Parvalorem, fechado a 19 de Março de 2018, a IGF releva “quanto ao package [pacote] salarial praticado” pela empresa estatal, “a atribuição de viaturas a dirigentes e alguns outros trabalhadores, resultantes do Acordo de Trabalho celebrado com o BPN antes da nacionalização, e que se consubstancia na utilização para uso próprio sem qualquer restrição de 23 viaturas familiares” de topo de gama - “viaturas premium da marca Mercedes, BMW, Audi e VW”.
O veículo público presidido por Francisco Nogueira Leite assume ainda o “pagamento” de “combustível”, com um “limite de consumo mensal até 300 euros, bem como “de parques de estacionamento”, Via Verde, manutenção, seguros, entre outras coisas, que no entender da IGF configuram “um complemento remuneratório”.
Os benefícios adicionais são concedidos a um grupo restrito de quadros de topo da empresa estatal. A 31 de Dezembro de 2015, dos 175 ex-bancários que não passaram para o EuroBIC, no contexto da compra da BPN, 21 exerciam cargos de direcção ou de chefia na Parvalorem (que ainda mantêm) - e cujo quadro de pessoal é neste preciso momento de 161 trabalhadores. A IGF constata aliás que “uma significativa percentagem” dos trabalhadores aufere “remunerações elevadas, quer quando comparadas com o sector das Administrações Públicas quer com o Privado”.
A autoridade sublinha mesmo, e “a título indicativo”, que existem situações que superam os 6700 euros que o Presidente da República aufere mensalmente (conforme noticiou o PÚBLICO esta segunda-feira) e que constam da tabela das remunerações brutas da Parvalorem.
E da leitura dessa tabela tiram-se conclusões: 67 trabalhadores levam para casa menos de 1500 euros e 64 recebem entre 1500 euros e três mil euros. Os restantes 44 ex-bancários têm salários acima dos três mil euros: 29 auferem entre três mil e cinco mil euros; 13 entre cinco mil e 10 mil euros. E há dois casos que se destacam a superar os 10 mil euros. Trata-se do ex-administrador do BPN Armando Pinto, que na Parvalorem dirige os serviços jurídicos, e do ex-director de informática de Oliveira Costa, Carlos Venda, que Francisco Nogueira Leite manteve no cargo, ambos com vencimentos a rondar os 12.600 euros.
De Outubro de 2008, quando o BPN colapsou alvo de uma mega burla (que gerou um prejuízo de sete mil milhões para o Estado), até hoje, muita coisa mudou. Mas a IGF constatou que “a totalidade dos trabalhadores” da Parvalorem “já tinha o respectivo enquadramento contratual no BPN”. E que os direitos e as garantias foram preservados.
Apesar dos gastos da Parvalorem com pessoal ascenderem a mais de 8,3 milhões de euros, a autoridade verificou “que a generalidade do trabalho core [estratégico] da empresa está suportado em outsourcing ou em regime de prestação de serviços”. E que dali resultaram encargos superiores a 10 milhões de euros.
“A contabilidade da Parvalorem é assegurada pela EPIMETHEUS”, “as obrigações fiscais são objecto de tratamento pela Fiscalnet”, a área de informática foi entregue à “WabbiT” e o “apoio à gestão e reporte das obrigações legais” ficou a cargo da Gesbanha, Gestão e Contabilidade, de Francisco Banha.
Para fazer a gestão e a cobrança de créditos em situação de mora ou em incumprimento foi aberto concurso público que seleccionou duas empresas: a Finangest (cujo contrato terminou em Abril de 2017) e a Intrum Justitia Portugal. A ajuda nos planos de negócio, levou Francisco Nogueira Leite a contratar a KPMG e a Roland Berger. Entre 2012 e 2015, a Parvalorem pagou a estas empresas 4,1 milhões de euros. O “patrocínio judicial” foi delegado em várias sociedades de advogados que receberam mais de seis milhões de euros.
Este retrato feito pela IGF resulta de uma auditoria que identifica um quadro de falta de controlo e de cumprimento das regras de transparência na gestão de uma empresa pública. Além disso, foram diagnosticados vários desequilíbrios nas contas, que se têm traduzido em decisões de recuperações de crédito do ex-BPN que a autoridade considera de racionalidade discutível. E que já resultaram em perdões de dívidas de 159 milhões e em prejuízos anuais superiores a 100 milhões de euros.