Estado dá bónus de meio milhão a antiga equipa de Oliveira Costa no BPN
Apesar de “premiar” em 2017 metade do quadro de pessoal, a sociedade pública Parvalorem não repôs, nesse ano, a progressão de carreira por mérito a 68 trabalhadores do antigo BPN com os níveis salariais mais baixos.
A Parvalorem atribuiu, em 2017, “bónus” aos trabalhadores com mais de 15 anos de serviço, num total de cerca de meio milhão de euros, e que oscilaram entre um mínimo de mil euros e um máximo de quase 52 mil euros. Entre os funcionários do veículo estatal que receberam os prémios mais altos estão vários directores, alguns visados em processos judiciais enquanto dirigentes do Banco Português de Negócios (BPN), onde eram próximos do ex-presidente José Oliveira Costa, cujas decisões levaram a um rombo nas contas públicas em torno dos cinco mil milhões de euros.
As compensações atribuídas em 2017 pelo veículo do Estado que gere cerca de três mil milhões de euros de activos tóxicos do antigo BPN abrangeram metade do seu quadro de pessoal e foram atribuídas a título de prémios (a maior fatia) e de reposição de diuturnidades (40 euros por mês por trabalhador). A decisão resulta do descongelamento dos direitos adquiridos e beneficiou todo o topo da pirâmide hierárquica da Parvalorem.
A quantia foi adicionada aos ordenados de Julho de 2017 e de Janeiro deste ano. E dos 500 mil euros, 250 mil euros foram parar às contas de 10 quadros directivos, dos 20 que existem na empresa. Uma informação que, em Abril deste ano, chegou à Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças.
No entanto, e dado que o cálculo dos prémios decorre da leitura da lei, faz-se por contagem de antiguidade e é independente dos níveis salariais. Com tempo de serviço superior a 15 anos, o ordenado duplica, e com mais de 25 anos e mais de 30 anos o bónus aumenta para dois e três salários, respectivamente. O que explica a atribuição de prémios de quase 51.800 euros aos quadros mais antigos e melhor remunerados e próximos de mil euros aos de salários mais baixos.
À cabeça da lista dos directores da Parvalorem premiados estão os antigos homens de confiança de José Oliveira Costa. Com mais de 30 anos de tempo de serviço, o actual director dos assuntos jurídicos da Parvalorem, Armando Pinto, de 61 anos, aufere um salário mensal de 12.600 euros. No BPN, Armando Pinto chefiou igualmente o departamento jurídico entre 1989 e 2002, tendo depois assumido um lugar no conselho de administração de José Oliveira Costa, onde se manteve de 2003 a 2008. Na equipa de Armando Pinto, na Parvalorem, com um vencimento de 6.600 euros, está António José Duarte. Partindo do princípio que tem menos de 25 anos de serviço, terá levado para casa um ordenado adicional. Com 42 anos, António José Duarte exerceu, entre 1999 e 2006, funções como administrativo na direcção de operações do BPN, para além de assessor e braço direito de Oliveira Costa.
O que está a levantar ruído é o facto de 68 dos trabalhadores do antigo BPN, com as remunerações mais baixas, entre 800 euros e 1200 euros, não terem visto os seus salários incrementados, a partir de Julho de 2017. Se o Estado, via Parvalorem, o tivesse feito, teriam sido beneficiados com um aumento anual de mil e cem euros. O que significaria um acréscimo de 1% nos gastos com pessoal da empresa que em 2016 totalizaram 8,2 milhões de euros.
Deste montante, 6,1 milhões de euros diziam respeito a remunerações, sendo que 1,7 milhões de euros são encargos com os sistemas de saúde SAMS e outras contribuições. A Parvalorem ainda não divulgou as contas de 2017.
Queixa de discriminação entre trabalhadores
Toda esta matéria já foi, no entanto, dada a conhecer à Autoridade para as Condições do Trabalho que analisa ainda uma queixa por eventual discriminação entre trabalhadores da instituição, que foi também reportada à Provedoria da Justiça. Em aberto está um processo de arbitragem na Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.
Ao PÚBLICO um sindicalista da área financeira referiu ainda que o sindicato a cujos corpos sócios pertence tem na sua posse extensa documentação que está a ser analisada, entre outras coisas, por indícios de discriminação entre trabalhadores da Parvalorem. E avançou que a resposta será dada em breve, com acções junto das autoridades.
Contactada, por seu turno, a Parvalorem considera que “cumpriu em 2018 todas as disposições legais” e que “além do fim da redução remuneratória” procedeu “à reposição do valor das diuturnidades (em 50%) em 2017, tendo reposto os restantes 50% em Janeiro de 2018, num valor aproximado de 9.000,00 euros de aumento de encargos”.
A empresa adiantou que, “em Janeiro de 2018, e com efeitos apenas para o futuro, foram já repostas as promoções por antiguidade que representaram, um aumento de encargos, mensal, de aproximadamente 7.000,00 euros”. Francisco Nogueira Leite, presidente do conselho de administração da Parvalorem afirmou ainda: “ainda em 2018, concluiremos a promoção por mérito, que estimamos terá um encargo anual aproximado de 20.000 euros.”
Confrontado com os números das promoções por mérito, um sindicalista contactado pelo PÚBLICO admitiu que a Parvalorem “se prepara para promover entre 10 e 15 trabalhadores dos 68”. Fez contas: “Se se dividir os 20 mil euros de encargo, acrescidos por 14 prestações, dá 1400 euros, e como a diferença entre níveis é de 100 euros, dá para promover pouca gente.”
A empresa chefiada por Nogueira Leite avançou também que “as reposições determinaram em 2017 um aumento global de encargos com a massa salarial, face a 2016, de aproximadamente 110 mil euros, prevendo-se em 2018 um aumento na proporção das reposições.”
Nas primeiras explicações, não houve referência aos prémios atribuídos a metade do quadro do pessoal nem aos valores expressivos que a empresa gastou. Novamente interpelada, a Parvalorem concedeu que se trata de “uma obrigação contratual” e “que está obrigada a pagar prémios de antiguidade.”
O presidente da sociedade estatal está fora da atribuição de bónus, mas é um dos nomes à cabeça da lista de pagamento de ordenados, com uma remuneração anual (em 2016) de 91,5 mil euros brutos, a que se somam mais 20 mil euros de encargos sociais. Nogueira Leite tem ainda direito a usar uma viatura topo de gama, registada no balanço por 71 mil euros.
Os outros dois administradores, Maria Paula Rodrigues e Bruno Henriques, acedem a uma viatura de valor idêntico, mas são remunerados pelas empresas públicas onde exercem cargos (85,6 mil euros de salário bruto, mais 19 mil euros de benefícios sociais).
Um colapso anunciado
O colapso do BPN, em 2008, veio expor uma situação explosiva: um banco chefiado por um ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de um Governo de Cavaco Silva, que o usou, ao longo de uma década, para burlar a instituição, de onde foram desviados fundos de 9,7 mil milhões de euros - cerca de 5% do PIB português. E pelo meio há suspeitas de que houve distribuição de favores por políticos social-democratas que então estavam no activo e com responsabilidade. E há nomes em cima da mesa: Manuel Dias Loureiro, Joaquim Coimbra, Arlindo Carvalho, Duarte Lima, entre outros.
Com a privatização do BPN em 2012, e venda ao EuroBic, deu-se apenas um passo para fechar um dossiê negro, que continua aberto na Parvalorem, onde estão parqueados mais de três mil milhões de euros de activos tóxicos. E onde trabalham 161 ex-bancários do grupo que não transitaram para o EuroBic ou recusaram ofertas para sair.
E, em cargos de direcção, há 19 pessoas. A maior parte já exercia essas funções no BPN, onde, à frente da área de auditoria estava Jorge Rodrigues, de 58 anos, alvo de uma contra-ordenação do Banco de Portugal, por irregularidades várias. Recorreu para o tribunal, alegando estar obrigado a subordinação hierárquica, uma tese rejeitada, dado que a função de auditor está "imbuída de especial dever e cuidado". A sentença do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) de Santarém, não só agravou a “coima” aplicada pelo BdP, de 350.000 euros para os 500.000 euros, com aumentou o período de inibição de funções no sector financeiro de cinco para os sete anos.
Todavia, foi a Jorge Rodrigues que Nogueira Leite entregou a direcção dos recursos humanos da Parvalorem - cabe-lhe a ele pagar salários e fazer planos de formação. Ainda que a decisão seja da gestão, é Jorge Rodrigues que notifica os colegas de despedimentos.
Outro nome que levanta polémica é o de Luís Pereira Coutinho, de 57 anos, que esteve à frente do gabinete de avaliação de risco de crédito do antigo BPN, e, por isso, o responsável por verificar se os financiamentos que o banco libertava tinham as garantias reais necessárias. E foi a ausência destes requisitos que gerou, em parte, o portfólio de perdas parqueadas na Parvalorem. Ora, foi precisamente a Luís Pereira Coutinho que Nogueira Leite pediu para tapar os buracos abertos pelos créditos incobráveis herdados do BPN.
No BPN, Carlos Venda, de 49 anos, era muito próximo de Oliveira Costa, que lhe atribuiu a liderança da área de Tecnologias de Informação e Logística.
Um departamento sensível. Os investigadores ao caso BPN concluíram que da área de informática do BPN emanava o sistema bancário virtual, por onde se movimentaram as verbas desviadas e que abriram o "buraco financeiro" que foi desaguar nos bolsos dos contribuintes nacionais. Na Parvalorem, Carlos Venda continua a liderar a mesma área.
Outros ocupam também cargos de relevo na empresa pública. Armando Pinto, a quem Nogueira Leite entregou a direcção de assuntos jurídicos da Parvalorem, é um deles. O ex-administrador do BPN chegou ao topo da estrutura em 1998 e só recuou para outras funções em 2007, quando Oliveira Costa renunciou à presidência.
No Parlamento, no quadro da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ao BPN, Armando Pinto disse que desconhecia a existência do Banco Insular (em Cabo Verde) e que nunca se apercebera de irregularidades ou de ilícitos criminais. No entanto, confirmou que era um dos quadros a quem Oliveira Costa pagava em cash. O BdP chegou a aplicar-lhe uma multa de 200 mil euros e a inibi-lo de exercer actividade no sector bancário por cinco anos. Mas o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS) de Santarém ilibou-o. Assim que soube, Armando Pinto dirigiu-se por email à sua equipa da Parvalorem: “Resultado final das minhas “desavenças” com os supervisores: 3 – 0! A meu favor, claro!” E Nogueira Leite reagiu: “Parabéns pela goleada…”
Quem integra a equipa de juristas de Armando Pinto é António José Duarte, a quem o Estado já recorreu como “perito” nos processos contra os trabalhadores da Parvalorem que despede. E, nesta empresa pública, gere a carteira de 1,1 mil milhões de euros de créditos incobráveis da antiga Sociedade Lusa de Negócios (agora Galilei) que detinha o BPN.
No BPN, António José Duarte ocupou sempre lugares de confiança de José Oliveira Costa, de quem foi assessor. Uma função que manteve depois da saída do banqueiro, quando Miguel Cadilhe e Abdool Vakil assumiram a presidência do grupo.
E na Parvalorem, considera-se assessor de Nogueira Leite, como se depreende das declarações proferidas na grande reportagem da SIC, designada “Depois da Fraude, a Herança”. Comentando sobre si mesmo, António José Duarte disse : “É um facto insofismável que desde 2006 [três anos antes do BPN falir] até à presente data tenho estado próximo de todos os conselhos de administração.” O que se justifica pela “confiança”, que “é algo que se conquista” e “quem vem a seguir” tem sempre “necessidade de se inteirar sobre o que está para trás.” A reportagem classifica-o “um caso raro de persistência em lugares chave”.
E, talvez, esteja aqui também a razão por que António José Duarte nunca foi visado nem nas investigações do BdP, nem nas levadas a cabo pelo Ministério Público.
O BdP aplicou aos 17 arguidos do caso BPN, particulares e empresas, coimas no valor de 9,9 milhões de euros, multando Oliveira Costa em 950 mil euros. A Galilei (ex-SLN, que controlava o BPN) foi condenada a pagar quatro milhões de euros. E o Ministério Público condenou Oliveira Costa a uma pena de prisão efectiva de 14 anos, dando como provados os crimes de falsificação de documentos, fraude fiscal qualificada, burla qualificada e branqueamento de capitais. Um processo que começou com 16 arguidos e culminou com quatro condenados a penas de prisão efectivas, oito condenados a penas de prisão suspensas, mediante o pagamento de indemnizações ao Estado, e três absolvidos. Uma empresa ficou fora das acusações por estar em processo de liquidação.